O Jovem Tocador e o Maestro Asmodeus

I.

Tocador:

Lento e triste caminhava eu

Guiado por zéfiros nordeste

À compainha do violino meu

Num lugar belo como este.

As árvores bailavam em harmonia,

O sol acenava para os campos;

Os pássaros cantavam a sinfonia,

Em seus ninhos, em seus antros!

Ao longe, gados em pastoreio,

E camponeses os guiando;

Nesta terra de imenso devaneio,

Nesta terra por onde ando.

Na raiz d'uma árvore me acento,

Deito-me na relva angelical.

Eis que um tédio imenso

Corrói-me em sono matinal!

Ouço o cantar do jângal,

Que sinfonia de amor ele tem!

Para matar meu tédio, afinal,

Vou tocar com a selva também!

Como escudeiro empunho o violino,

E meu arco como um sabre,

Sou o cavaleiro do som matutino,

Aquele que os ventos abre!

Ah! a música e a natureza,

Que harmonia que elas têm!

Quero que o som desta beleza

Toque o seio de alguém!

II.

Criatura:

Esta terra de desgosto.

Pássaros, coelhos e veados;

Este maldito frio de agosto,

Estes camponeses desalmados!

Ah! Este lugar horrível!

Que arde como meu umbral,

Quero que este som terrível

Queime neste seio matinal!

Caminho, vago, triste e lento;

Minhas asas gritam em fervor.

Quero que este solo pestilento

Morra de tamanho horror!

E neste bailar de tédio feroz

Ouço ao longe um belo acalanto,

Como um errante albatroz

Deixo-me guiar por este encanto!

Nesta viagem à sinfonia

Que há de me aguardar?

Quem toca esta melodia?

Esta doce melodia de Bach!

Adentro no jângal

Ébrio nesta doce harmonia

Como um animal

Me encanto com a doce melodia!

Quem toca este som?

Com tanto amor e tanta calma,

Quero que o senhor deste dom

Venda-me sua alma!

III.

Tocador:

Em meio à minha melodia

Escuto passos adiante

O que seria?

Algum animal errante?

Mais e mais perto

O que será?

Esta criatura em cerco,

Onde que está?

Cesso minha canção,

Ouço passos a sudeste

Que apertam-me o coração,

Que monstro será este!?

Oh! Me encontra o satã!

Encara-me diretamente,

Resistir torna-se vã

Vã alma decadente!

IV.

Criatura:

- Tocavas a melodia

De forma tão ociosa

E ainda tornava-a em harmonia

Uma harmonia tão maviosa!-

Tocador:

- Tu me assusta criatura

Que queres de mim então?

Não somente minha brandura

Mas algo mais senão? -

Criatura:

- De certo, camponês

Quero este teu dom angelical

Quero esta tua tez

Ardendo em meu umbral! -

Tocador:

- Como pretende o fazer?

Por que falas com tamanha calma?

Em teu inferno não ei de arder

Pois só a Deus pertence minh'alma! -

Criatura:

- Faço-lhe uma proposta

Um dueto vamos fazer

Quem pior tocar nesta aposta

Ao outro vai pertencer! -

- Se teu Deus o ama

E se é tão poderoso

A ele teu seio clama

Neste duelo ardiloso -

- Se tem Deus do teu lado

Aceite e prove-me o poder

Mas contra o próprio diabo

Duvido que consiga vencer! -

Tocador:

- Diabo, como te chamas?

E como ousa duvidar do Senhor?

Te mandarei de volta às chamas

Pois a Deus cabe-me o louvor! -

Criatura:

- Chama-me de Asmodeu!

E cesse este seu falatório

Deus é somente um sonho teu!

Poupe-me deste seu oratório! -

Tocador:

- Como queira, Asmodeu

A um duelo vem me convencer

E não acreditando no Deus meu

Condenou-se então a perder! -

V.

Tocador:

Asmodeu retira de sua capa

Um cello de ouro brilhante

O arco como uma arma

Aponta-me com garbo cintilante

Senta-se à frente de mim, ó tocador

E da início a seu coro infernal

Evocando diabretes do horror

Do fogo de seu fervoroso umbral!

Ah! Sinfonia melhor não há!

Tão doce sinfonia de Bach!

Derradeiro arroubo de Loki

E cantos de Tchaikovsky!

A mais erudita das melodias

Grandioso maestro infernal!

Que queima em harmonias

Doces harmonias do umbral!

Os canários dançam co'a canção

As árvores bailam junto a ela!

Em meu humano coração

Nunca tocou-se canção tão bela!

Uma lágrima ardeu-se na face

De tamanha emoção que sentí

Em meu seio a canção arde.

Este dueto eu já perdi?

VI.

Asmodeu:

Emociono o pobre tocador

Com meu tamanho talento

Ele treme em palor

Pois arde em sofrimento!

Tão doce foi a melodia

Que os céus mudaram de cor

Espero agora sua melodia

Que prometeu-me encher de amor!

Ah! Duvido que me supere

Pois fui eu o maestro de Deus.

E este homem campestre

Desafia a Asmodeu?

Ergue-se da sebe

E tremendo ajeita o violino

Não sabendo o que se espere

Deste homem matutino.

VII.

Asmodeu:

Toca os primeiros acordes

Com doce louvor angelical

O doce som dessas odes

São melhores que as de meu umbral!?

De onde vem tamanha eloquência?

Como envoca tão belo som!?

Como do céu trás essa essência?

De onde vem divino dom?

Não creio! Me espanta a fronte

Que o camponês toque tão bem

Bebeu da doce fonte

Que beberam os anjos de belém?

Os animais dançam a harmonia

As montanhas cantam junto dela

Divina e maldita sinfonia

Como esta não há tão bela!

Ah! Deus tocou em suas falanges

Sua prece não foi tão vã

Estou boquiaberto não-tão obstante

Do maldito asno de Buridan!

VIII.

Narrador:

Cessaram os cantares

Um segundo de trégua em louvor

Espantaram até os sabiares

E Asmodeu com tamanho amor!

Asmodeu:

- Me assusto, camponês

Com tua divina melodia

Tão santa quanto a Inês

Tão bela foi a harmonia! -

- Minha derrota eu assumo

Diante do som teu

E agora, eu presumo

Que queira algo meu -

Tocador:

- De você, Asmodeu

Quero somente a lembrança

Do dia em que eu

Derrotei-te nesta dança-

-Não quero nada mais

Pois Deus provem-me tudo o que preciso

Prometa-me apenas, sem tom indeciso

Que não voltará jamais! -

Narrador:

Volta Asmodeu

Volta para seus umbrais

Prometendo ao camponês

Não o importunar jamais

Aprende uma lição

Este pobre diabo Asmodeu

A de não enfrentar o coração

D'um homem que tem a Deus!

E o camponês percebe então

Aquilo que consegue fazer

Tendo Deus no coração

Nada o impede de vencer!

Oh! Senhor todo-poderoso

Criador do céu e da terra

Em teu seio tão bondoso

Nunca ouve história como esta

Salvou o jovem tocador

De ao inferno ser inquilino

Mostrou a Asmodeu o horror

De enfrentar o poder do divino!

Dou à história uma moral

Dizendo: A Deus procure o encontro

E com sorriso angelical

Encerro aqui meu doce conto!