O APANHADOR DE ORQUÍDEAS

I

Meu olhar

passeia por trilhas antigas... Flutua na aljava do bosque.

Eu vou só a procurar orquídeas silvestres e deslembradas que

[os pássaros plantaram no colo das árvores.

Orquídeas esquecidas pelos caçadores que aqui já vadiaram

[profanando a inocência e a graça cristalina das luzes do lugar.

Aqui viceja a construção da vida! Cicios, pios, chiados, ruídos e silêncios...

A existência se recria e se recria e se recria no refrigério emanado

[pelo corpo da floresta.

A recriação em formas físicas, etéreas, límpidas!

Não! Não quero lembrar-me do mundo lá fora.

Por isso estou aqui.

Estou aqui

Neste instante de tantos murmúrios e de silêncios dos deuses.

Neste instante de sombras e de claridades em que

[me abandono no ritual dos passos.

Neste instante de poesias esparsas derramadas de meus olhos

[nos arbustos e folhagens.

Neste espaço puro de sublimações e de cantos de virgens.

Nesta magia de reinos sagrados, de iluminações, de santidades e de querubins.

Neste instante inclino a cerviz e viajo aos montes...

Aos velhos santuários dos montes e das árvores...

Ao Monte Patriarca e outeiro santo. Escalvado...

Uma majestosa Rocha e um majestoso Nome...

II

Eu vou só em busca de orquídeas. O tempo não conta.

As asas da vida são sobre mim e a grande Águia Branca já pousou nas ramadas.

Veio com as plumas carregadas de céu.

Plumas alvíssimas. Alvíssimas...

III

As árvores são como flechas lançadas pelo Arcanjo

[num tempo de Paz e Criação.

O solo úmido e humilde recebeu as sementes e as guardou e cultivou

[no precioso óleo misterioso

[da terra viva – universos e universos de reinos e segredos.

Despertaram do último sono do gérmen e se metamorfosearam

[em meninas e depois moças e depois mulheres

[e subiram e subiram e cresceram e abriram seus braços

[e mãos aos arcanjos do Adhonai Supremo.

Dezenas de anos... Séculos!

...E se agigantaram, galhadas e folhadas e frondosas, procurando

[as nuvens no seio claro e serenado das manhãs.

IV

Eu vou só a buscar orquídeas silvestres e coloridas dentro

[de um bosque azul.

O anjo me acompanha. A virgem me acompanha.

O chão de folhas mortas deita sua servidão na mística do humos

[e olhares vigilantes espreitam entre todas as

[folhas e flores e frutos.

Formas translúcidas passeiam entre as samambaias...

Eu as sinto. Tocam-me suavemente os espíritos das árvores

[saindo das seivas e das cascas no reino do bosque.

Suspiram nas folhas e cantam baixinho.

A vida rescende, transcende e o verdor transpira!

V

Não. Não quero mais lembrar-me do mundo lá fora.

Por isso estou aqui.

Por isso estou aqui.

Caminho...

Os murmúrios crescem... em cores, em sons, em brisas..

A voz sussurrante das criaturas e dos alados do bosque...

Eu devaneio em vagas de sonhos... Vejo um mundo amigo, antigo...

Não quero voltar!

Em passos mansos nas palhas macias eu entro sereno e confiante

[nas dimensões desconhecidas do reino

[nas matizes das orquídeas

[nas essências das flores

[no âmago da seiva

[na quietude das sementes.

E viajo em fluídos... Em verdes fluídos nos segredos do Éden.

E a minha procura termina nos eflúvios da paisagem.

Já sou folhas, raízes, frutos, flores, troncos e sementes.

A fusão foi perfeita. Perfeita...

Já sou bosque também.

Sidnei Garcia Vilches (17/12/2013)

Sidnei Garcia Vilches
Enviado por Sidnei Garcia Vilches em 02/07/2024
Código do texto: T8098080
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