Alma peregrinante
Alma peregrinando por tempos e lugares remotos,
Vi com meus próprios olhos épocas tão distintas,
O que houve com o florido mundo e seus devotos,
Em meio às suas lutas e às suas glórias extintas?!
Vi os santos com fanáticas cruzes e suas tochas,
Vi pilhas e pilhas do saber queimadas ao chão,
O Sol vai embora, lá atrás de montes e rochas,
Traçando o fim do horizonte em sua breve ilusão.
É tão fácil morrer nesta linda e louca vida,
Contudo, ninguém quer morrer tão cedo,
Uma vontade insaciável e incompreendida
De partir e ficar: sem alegria e ainda com medo.
A procissão humana de sombras mortas avança,
As súplicas e as preces faleceram sem glória,
Voou longe do amor dos mortos a lembrança,
Nas pedras que esculpiram e choram toda história.
Os adoradores profanos sentam-se às mesas,
E flores com câncer choram rios de chuva intensa,
Entre recordações paralíticas e tantas tristezas,
A dor da saudade que me pesa é cruel e imensa.
Perto do umbral da porta, à beira do inocente jardim,
Aceno à vida como os errantes e partidos navios,
Grito em silêncio o fogo ao vento e ao relento do fim,
E afogam-se, suplicantes, os velhos sonhos e desafios.
Inflamado por esta fúria interna,
Choro no escuro, sem amparo;
Os anos me assolam na caverna
Bastarda deste ser vilipendiado.
Amores que surgem e partem em vão,
A Solidão é a nossa cruz sem redenção,
Mesmo em comunhão com a imensidão
Das estrelas e da lua em contemplação.
Aceitei o corpo enfermo à beira deste jardim,
Como quem muito lutou e tudo foi embora,
Junto ao portão do Éden, Deus zomba de mim,
E cospe seu desprezo em minhas mãos e horas.
Meu olhar vai além da matéria e dos muros,
O Verbo nada pôde salvar nem explicar,
Nada humano muda os elementos puros
Do Universo em seu contínuo vaguear.
Contemplo o silêncio que floresce
Nas árvores e nas folhas a brotar;
E o corpo traidor, enforcado, fenece
Nos braços da impiedosa figueira seca,
[Cujo útero gera filhos para peregrinar e enterrar.