CONSCIENTES DA INCONSCIÊNCIA.( CONSCIÊNCIA NEGRA)

Sou quilombo...

Negro de sorte mui pobre de nascença,

Preto e embutido pela abjeta vivência,

Vestido no negro manto dos maus tratos,

Vigiado nas tarefas por olhos insensatos,

Tive essa vida disfarçada de ser gente,

Trouxe nas veias sangue de valente,

Com marca nas costas nua combalidas,

Por crueldades sofrida, infortuna lida,

A prantear nos açoites dos carrascos,

Com as costas e braços feito estilhaços,

E que levavam pão as compridas mesas,

Daqueles que lhe cobravam despesas,

Com os rostos em lágrimas pelo sofrer,

Sendo considerado estranhos animais,

Sentido existência, esvair-se nos cafezais,

Esgotando as forças sem nada receber!

Sou quilombo...

Mesmo fustigado por instintos cruéis,

De vida a sobejar migalhas de coronéis,

impróprios nos salões dos banquetes,

irmãs negras avergonhados enfeites,

A expor-se desnudas como os troféus,

A constranger-se em festejos de cruéis,

Embora acabrunhado na escravidão,

Hipotecado sem direito a compaixão,

Na grande casa escura, nenhum direito,

A infinda luta destroçava-lhes o peito,

Como aspirar algo que lhe foi negado,

Mesmo enfermos trabalho dobrado,

O tronco de torturas tido como herança,

Vestido sempre em traje de condenados,

Era constrangido e seus direitos violados,

Não conseguirá tirar isso da lembrança!

Sou quilombo...

Lábios grosseiros e olhos avolumados,

Tive infância e juventude amofinado,

pelas barbarias do capitão do mato,

Açoitados por não admitir amargos tratos,

Teve consciência reprimida por infames,

Os que cobriam de enxovais madames,

A desfilar em carruagens de roupas finas,

Regada e chaleirada por negras meninas,

Não tiveram o simples direito ao estudo,

O que conheceram foi só servir em tudo,

Foi-lhe preciso a arte da capoeira inventar,

Pra defesa de algozes pagos a os aniquilar,

Uma arte camuflada dos olhos inimigos,

A capoeira era a lei na fria senzala,

Na posse de tal arte negro teve fala,

A arma que os guardava de perigos!

Sou quilombo...

Ainda não livre de regime escravocrata,

Em vida moderna ainda nos maltrata,

Disfarçadas de pérfido do igual direito,

Após tantos anos sou negro e imperfeito,

Isabel deu-nos liberdade, ou quase isso,

Ainda hoje, muitos tratam-no por lixos,

Para usufruir da vida ainda preciso cota,

Julgam-me marginal ao bater à porta,

Ainda me tratam como ser inferior,

Que não sente medo, vergonha ou dor,

Choro ao ver que nas veias dos arianos,

Há sangue do negro prejulgado insano,

De pele consumida pelo sol escaldante,

Por lutas nos engenhos escravistas,

Sem sonhos nem direitos trabalhistas,

Exposto a maltrato e tantos agravantes!

Sou quilombo...

Sendo consciente de não ter consciência,

Vitima ocular das maiores imprudências,

Que me recaia ao buscar isso entender,

Motivos tais que faziam-me padecer,

Um ser rude de abolida complacência,

No castigo aprendi sofrer com paciência,

Sem vigiar já que tempo não sobrava,

O bem dos senhores o que importava,

Pasmem se contar-vos tais agruras,

Vida vegetativa a maior das torturas,

Isso levou-me a importante decisão,

Criar coragem pra fugir da escravidão,

E aos poucos aprender ser consciente,

O mundo evoluído, ainda me aboliu,

Elites a fingir que isso nunca existiu,

Assim, nasci, cresci, sofri, mas aprendi,

Pelo menos hoje já sou Gente!

Cbpoesias

23/11/2023.

CBPOESIAS
Enviado por CBPOESIAS em 23/11/2023
Reeditado em 29/11/2023
Código do texto: T7938392
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