O despertar do Corvo
Os refulgentes raios do Sol escalaram montes e paredes
e enfim entraram através das portas e das janelas,
mas ainda havia sombras perdidas pelos cômodos da casa
como se toda a casa fosse um longo cadáver assassinado
cuja alma nunca repousa e cujo sangue jamais é justificado.
Saí, à deriva, de casa para caminhar por sinuosas estradas
E a quietude ensurdecedora e o pranto montanhês
de todos os milênios desta selvagem terra de aridez
exalavam das flores que meu olhar tocava e colhia;
quando, de repente, meu ser encontra e vislumbra
um corvo negro e puro e lindo como um lago noturno,
e o Corvo me encarava do galho do enforcado carvalho
onde a sombra da minha inocente infância
ainda fala com as flores, brinca com mariposas e brilha.
Os olhos negros do Corvo voaram e penetraram
as cavernas e as áridas pradarias de minha alma.
Eu vi, eu juro pelos imortais deuses, eu sei que vi
uma lágrima, tão triste e serena e abismal,
que escorria do olho direito deste pássaro celestial...
E o vento longínquo das eras glaciais e ancestrais
despertou o sono das árvores, das flores, dos telhados
das pequenas casas de barro cheias de covas de animais,
e houve ali um brado profético, inumano (como um raio alado)
[que jorrou das jurássicas pedras do velho tablado.
As nuvens do céu foram varridas para a direção dos mares,
eu sentia que meu corpo estava chorando em todos os lugares,
e todas as feridas, as traições, os cansaços, os sonhos e os risos
emergiram das entranhas dos silentes túmulos do céu e da terra
[através dos prantos que berravam dos meus olhos de treva.
Caí de joelhos entre as pequenas pedras cobertas por formigas,
e meu coração sangrou os pecados e as misérias desta torpe vida;
eu quis derramar aquela maldita dor excruciante para o vale distante,
eu quis voltar à minha casa, eu queria me sentir em casa alguma vez,
eu quis queimar o meu corpo e lançar minhas cinzas na ponte do Talvez;
todavia o Corvo negro e puro e lindo qual o colossal dorso da longa noite
[voou e pousou perto dos meus joelhos de barro e de carne,
e o Corvo me olhava sem piscar com aquele orvalho de perdão,
Olhar que afaga e absolve até a mais ímpia e transgressora
[alma das coisas de seus infernos de dor, solidão e opressora escuridão.
Ele me fitava como o Pai que enfim encontrou seu filho perdido,
com veemente amor, aceitação, ternura e misericórdia;
Ele me olhava em silêncio, quando um gralhar divino ele entoou
e não me senti mais triste, infeliz, incompreendido,
[preso num mundo ou num corpo que sempre me torturou.
Sob o manto translúcido daquele céu azul,
sob o juramento silente do Sol como testemunha sagrada,
eu, enfim, encontrei um verdadeiro amigo nesta jornada,
(havia lágrimas alegres que sangravam das flores e árvores)
e nós dois caminhamos juntos, lado a lado,
sobre aquela antiga e nebulosa estrada
de pedras ceifadas, casas e carcaças estripadas
[agora pelo despertar do Corvo finalmente curadas e justificadas.