Crematório

vou para o forno com uma cenoura na boca

como um leitão que estala sem dar gemido

a voz rouca e uma alegria confinada e louca

pela ausência escolhida na terra sem sentido

sou agora um corpo preparado para o fogo

sedento das chamas que me tornarão cinza

não guardo lembranças nem sinais de afago

divago apenas nesta crua memória de abrigo

onde apenas conservo alguns restos de mim

preparado para a não existência da verdade

sinto-me mais leve que o voar de uma pena

apenas persinto o apagar da minha matéria

como um alimento digerido e sem vestígios

jogado às traças e ao vazio que vive e pulsa

no clamor da morte vou poder ver estrelas

que são feitas do mesmo pó que sou agora

sem contaminação saudade ou sofrimento

apenas parcas partículas alienadas e fora

do corpo pesado e triste do meu lamento

Mongiardim Saraiva
Enviado por Mongiardim Saraiva em 17/02/2023
Código do texto: T7721075
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