Crematório
vou para o forno com uma cenoura na boca
como um leitão que estala sem dar gemido
a voz rouca e uma alegria confinada e louca
pela ausência escolhida na terra sem sentido
sou agora um corpo preparado para o fogo
sedento das chamas que me tornarão cinza
não guardo lembranças nem sinais de afago
divago apenas nesta crua memória de abrigo
onde apenas conservo alguns restos de mim
preparado para a não existência da verdade
sinto-me mais leve que o voar de uma pena
apenas persinto o apagar da minha matéria
como um alimento digerido e sem vestígios
jogado às traças e ao vazio que vive e pulsa
no clamor da morte vou poder ver estrelas
que são feitas do mesmo pó que sou agora
sem contaminação saudade ou sofrimento
apenas parcas partículas alienadas e fora
do corpo pesado e triste do meu lamento