Revelação
Uma palavra incógnita lacrimeja da neblina,
Onde permanece por um tempo e nos enfeitiça
Com seu magnético mistério e sua luz mestiça
Até que um Big Bang poético acaba sendo
As asas da borboleta do casulo se desprendendo.
A palavra sobre a neblina, a neblina sob a palavra,
Era assim comigo: vou vagando na neblina e no vazio,
Pois meu silêncio só deseja ser absoluto e baldio.
Uma cortina se abre e mostra todos os vales,
Era assim também quando a neblina sumia:
Revelava as raízes sem vida de todos os lugares.
O Amor acabou, e as forças da natureza
Achataram o sumo da palavra que fora
Renascido, mas que estava sem uso e beleza!
Nesta época fecunda de novas colheitas,
Eu havia alugado uma casa no campo, tão leita;
Pastos e montanhas sobrepunham os altos prédios,
Bosques, vacas e o ocaso sobre pradarias e tédios.
Dia e noite eram divisados pelo gorjeio dos pássaros,
Sons e murmúrios misturados se transformavam
Em alguma coisa próxima ao referto silêncio.
[As cores e a vida pelos dedos da noite murchavam.
Eu descansava_ andava ébrio dentro de mim.
Quando a noite caía, entrava em minha casa benfazeja.
Bem longínquo, ouvia os sinos das vacas e igrejas,
Que atravessavam os currais, as árvores, os pastos,
Toda a imensidão insone da noite calava-se
[E o silêncio era um lindo deus, vasto e nefasto.
É claro que um grande erro foi isso tudo,
Acreditei que deslumbrava o findar do absurdo,
Como uma rachadura numa estrada de terra,
Como um sonho que sangra o onirismo
Que no próprio idílio e delírio se encerra.
Todavia, o Erro ergueu-se e fitou o meu olhar.
Como se a velha árvore que confrontou meus pais
Virasse um abismo em forma de sombras espectrais,
E um buraco negro se formasse na estrada,
Parecendo um véu enegrecido pelo sangue
[Da virgem, morta por várias machadadas.
Abri os olhos e vi que não via a realidade, a ameaça.
Eu estava dentro de casa sem me sentir em casa.
Peguei uma cadeira e arrastei-a até a varanda,
As luzes tremeluziam, findou-se o riso da criança,
[Formando um cadáver sem corpo ao longo do rio.
A noite era cheia de agonias e dispersada
por uma força ancestral, colossal e desatinada.
A neblina circundava os casebres mortos e as hortas,
E o vento disse um segredo: viver é uma sina sórdida.
Desliguei sem nenhum motivo o meu computador,
Todo o passado da humanidade em mim sangrou,
Gritando, chorando, sorrindo, amando, morrendo...
Não basta viver ao se degustar o fruto do conhecimento.
Uma estrela cadente rasgou a cortina celestial,
Aquele céu noturno e soturno, cadavérico e abismal.
As mãos da Aurora estrangulavam a garganta da Noite,
E as relvas e os pássaros despertaram assim, sem razão,
Todos os sinos de todos os dias bem dentro de meu coração.
E o coral torrencial e imaterial dos galos-de-campina entoou:
“Consumado está tudo, desde que a vida começou.”