Ode ao Niilismo
Nos antigos e recentes bosques noturnos,
Entre os ancestrais e novos altares soturnos,
Sacrifiquemos sem remorsos todos os pecados,
Imolemos nos autos de fé os deuses deificados.
E nos lábios do senil profeta canta o fado:
“O homem pós-moderno está enfim condenado
Ao vazio, aos vinhedos do niilismo afortunado.
O ser humano à desumanidade está destinado."
A ciência é tão vã quanto a toda religião,
Somos filhos bastardos de nós mesmos:
Todos os messias são uma corja de ilusão,
Cada deidade do homem é uma invenção.
Sem uma verdade, um dogma, uma crença,
é impossível viver?! Convicções são doenças,
Crer é matar a vontade de pensar, de questionar;
Acreditar é prender a si mesmo, é se autoflagelar.
Vinde, meus amigos iconoclastas e niilistas:
Vamos estripar todos os fetos da verdade
E aspergir seus sangues na fogueira das vaidades!
E dancemos ao redor do fogo dessas fatuidades.
Enforquem “todas as verdade” sem receios e medos,
Toda verdade é só uma mera abstração humana,
Todos os caminhos certos são fictícios enredos,
A meta da vida é esta: a sepultura sublime e insana.
Cadê o sentido de se viver, cadê o sentido da vida?
Todo sentido de se viver são meras falácias garridas.
O sentido de qualquer sentido é criar e encobrir isto:
A entropia destinada aos entes criados e aos seus cristos.
Vamos então, meus libertos amigos, beber e copular:
Não estamos doidos, queremos só viver sem pensar;
Queremos só ingerir todos os álcoois de nossa essência,
Pois só existimos: sem filosofias, política ou coerências.
Que comédias vis são o Céu, o Purgatório e o Inferno;
Quão delirantes são esses pós-mundos de fachada!
Acostuma-te logo a esta simplicidade: não há nada
Após a morte; só há o olvido, o pó, o vão sono eterno.
Quem sabe já não estamos mortos, mas sonhando que vivemos?
Quem sabe a vida é um estado de coma do qual nunca despertemos?
Quem sabe nunca houve vida, nem mundo, cosmo, nada?!
Parece que viver é andar continuamente errado numa irreal estrada.
Teu estado verdadeiro só habita na monarquia de teu pensar e sentir?
És o governo, a república do que é e não é; em ti há autenticidade?
Não busqueis a letra de leis alheias, pois ela mata a tua identidade.
Sejais o Espírito de teu próprio Nada, que tudo pode ser a partir de si!
Vem, pega na minha mão e vamos subir ao grande monte:
Contemplai, irmãos meus, toda a moralidade e a modernidade;
Tudo é vil, louco, hipócrita, violento, nada tem substancialidade;
Todos são descartáveis, miseráveis, incuráveis, reles brutamontes.
Escutem agora: a voz humana de cada mulher que geme e berra,
Que foram queimadas, violentadas e afogadas como feiticeiras;
O sangue de milhões de inocentes clama das profundezas da terra,
Mortas pela “Verdade Sagrada”, que sempre foi uma puta interesseira.
Bebamos e comamos, porque todos já mortos estão!
Vejam acolá: o festim dos corvos em todo banquete real.
Tudo o que é real é fábula porque tudo é irracional e irreal;
Vamos satisfazer cada desejo e impulso carnal, então.
Não tenhamos receio de viver a vida; crie, pois, tuas próprias leis:
Transe, beba, grite, ame, ria, derrube regras, muros e da mente cadeias.
Não enterres a tua liberdade: apenas tente respeitar a opinião alheia,
Não tenhamos medo de morrer pela vida que dentro de nós incendeia.