Vilipêndio
Vermes decompositores
de poesia morta.
Seres necrófagos insensíveis,
Que devorarão sem remorsos
esse coração que tanto amou,
Que amou tanto sua garota,
Sua filha, mãe, irmãos e amigos.
Que tanto amou a chuva mansa,
As flores gratuitas,
Os pássaros canoros,
O céu estrelado,
Os nasceres e pores do Sol,
A Lua cheia,
Os gatos sobre os telhados,
As pombas a beberem água em poças no asfalto.
Jantarão esse cérebro que adorava filosofar,
Que tinha gozo em aprender,
Divagava sobre as coisas,
Escrevia poesias,
Sabia milhares de palavras,
Traçava rotas,
Resolvia problemas aritméticos,
Se orgulhava em dizer para a filha
O nome das coisas que quase ninguém sabia.
Agora, se resume a jantar de vermes,
Comerão essa massa encefálica falida,
Como os doentes comem a gelatina do hospital.
Vis seres rastejantes,
Repugnantes abutres ápteros invertebrados,
Passearão pelos meus restos,
Com a mesma displicência
que um apaixonado distraído caminha por um parque,
em uma tarde de domingo.
Pois, da minha parte não terão esse gosto,
Morrerão de inanição, no que depender de mim;
Pois serei cremado,
E minhas cinzas alimentarão as flores,
Das quais desabrocharão
Poemas de protesto
Contra o vilipêndio do ser!