Na Tempestade
As águas nervosas lá de cima
Já se embriagavam dos pés dos poetas
Quando um pé vindo da direita
Foi-se contra um pé vindo da esquerda:
Pingos riram-se de um lado pro outro.
Só o céu e a terra sabem a graça
Que fazem com os poetas de lá e cá.
O poeta, aquele torto de chorar,
Correu-se daquele lado em lamentar.
Que de jeito outro iria tal poeta
Colocar-se a movimentar senão
Num disparo torto da fuga alcançar?
O poeta, aquele torto de andar,
Correu-se do lado outro a cantar.
Que todo jeito é jeito pra tal poeta
Colocar-se a girar e fazer
Um riso torto de tropeçar.
Diz-se das pessoas todas, pelos cantos todos,
Que uns são de linha reta,
Outros são de andar já torto,
Diz-se desses que os cantos
São de poesia e que nela uns usam
Capa de proteção, outros adoram se ensopar.
Parece que cansam-se os dois.
Os dois poetas se cansam de ser tortos.
Na tempestade. De vez em vez: cansam-se.
Mas a tempestade só se ri:
Não há o poeta, nem um nem o outro,
Há só a água que dela cai e que dela
Foge um, pra ela corre outro.
O torto que chora não sai do lugar
Esperando ela passar,
Quando sai se molha demais e fica doente.
O torto que anda só fica de um lado pro outro
A lhe procurar,
Quando sossega não entende o que é permanecer.
A terra ressente-se dos seres tortos,
Reclama com a tempestade a lentidão
Que aos dois se faz idêntica:
Velocidade de um só pra esconder,
Velocidade do outro só pra exagerar.
No que o poeta torto de chorar
Corre pra das estações o mudar escapar,
O poeta torto de andar
Corre pra das estações a permanência não se mostrar.
Ressente-se a terra dos seres tortos,
Colocados na margem,
Quando o seu cheiro molhado predizendo a água
Convida-os a dela se afastarem,
Por razão uma ou outra,
Não fecundam eles a contradição
Linda e torta – céu e terra:
Poesia com vida.