Versos aparentemente irracionais

O vento caminha entre as curvas das casas,

Guinando entre bulhas neurastênicas de uma sociedade

Burlesca e catalogada;

Enquanto prédios e asfaltos comungam uma digressão dilacerante

De pusilanimidades de um simples afagar latente.

Os rios do Amor fluindo em corpos famintos,

De um corpo entregue ao Alheamento melômano do Existir.

Lançai, ó profetas do Amanhã,

Lançai esta montanha mendaz

com o estopim de tua fé oscilante e metastática.

Bem-Aventurados os céticos porque não verão

A mitificação se metamorfoseando prolixamente.

A profundidade de cada superfície em cada coisa

Como uma noite animalesca a engolir a luz corpórea do sol,

Soprando temores e cogitações por baixo de seu manto pré-cambriano,

Pisoteando formigas milenares que testemunharam o Caos

Ao ser expelido do útero da Loucura dentro da abóbada

Ressoante do universo.

A criança que fostes ainda chora, em brados homéricos,

Por quem hoje tu não és...

Uma alma escolarizada,

Catequizada,

Sociabilizada,

Padronizada,

Esquematizada,

Mecanizada,

Estereotipada na pirâmide tumular da civilização meretrizada.

Todo leito é uma cova futura,

Toda conquista é a derrota de alguém,

Toda renúncia é uma estratégia eufêmica e egocêntrica...

A água que escorre do chuveiro não purifica teus pensamentos,

Como se uma cachoeira de dor brotasse de teu coração silenciosamente,

E a Máscara de Ser sempre colada em teu rosto andrógino.

Todas as formas de comunicação se resultaram inúteis,

Pois é preferível fingir ser outro a ser a si próprio,

Cheio de imperfeições e defeitos.

Da boca da serpente se exala a alegórica verdade semeada no solo do coração,

Enquanto a Palavra com suas ordens imperativas

Corrompem a essência de tudo o quanto cria,

Ainda que “criar” seja em si mais uma fábula sonífera.

Armada com respostas e argumentos os quais na caverna de teu ser

Riem de teu conhecimento e de tua estupidez.

A flauta da Pós-Modernidade conduzindo roedores bípedes

Para o Abismo crepitante de suas próprias nadificações crepusculares.

Oceanos de areia,

Rios afogados,

Verdades sujas debaixo da cama,

Mas o sol jamais volta o mesmo a cada manhã,

E há quantos milênios tu estás distante de ti próprio?

Há comida, estabilidade e proteção provisórias

Na gaiola de tua ignorância produtiva.

Cinzas jactantes a faiscar vestígios ilusórios de consciências,

Enquanto aquele sentimento desovado em teu esquecimento

Ainda pulsa inertemente em tuas artérias desarborizadas.

O espelho, com seu olhar afagante,

Não te reconheces mais;

E só há o humo infértil de nossos erros

A anestesiar, amiúde, os âmbitos dos Campos Elísios

Profanados pelo nosso mundo acinzentado e pavimentado.

O Cálice irredutível de tua vida

Ainda pode estar e cantar em tuas mãos espectrais.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 09/02/2022
Reeditado em 09/02/2022
Código do texto: T7448566
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