Mais alguns poemas da antologia poética
SILÊNCIO
o olhar vagueia
corre, para lá e para cá
um piscar lento, um pestanejar
as mãos tocam-se em prece
correm os cabelos, sem pensar
um leve toque, um esperar
o corpo se espreguiça
o pensamento distante
é só um vislumbre, um espreitar
os pássaros longe, longe a palrear
o sol cai, aos poucos
as sombras mudam de lugar
o som esvai-se
o sax canta
etéreo, livre, sempre um inebriar.
VIAGEM
viajante errante e solitário
de estação em estação
busca o lugar inédito
para pousar seu coração
em voo arremete-se aos céus
só, com sua história na bagagem
quer o amor, a ternura,
o sossego a cada louca aterrissagem
viajante sem destino
volta e revolta os próprios passos
sua solidão não lhe dá a paz
quando imagina a ter encontrado, vê que era só uma miragem
conhece o mundo, conhece os homens
sabendo que seus semelhantes, todos eles em compasso
buscam o complemento
o sentido da existência, a cura do cansaço
viajante solitário e apaixonado
seu sonho é sua vida, concedendo-lhe a coragem
para que mesmo permanecendo só em sua casa,
viva do delírio e da bela experiência da viagem.
NERVOS DE AÇO
I
acostumei-me a não deixar rastros
por onde andei apaguei os passos
fui de caminho em caminho, sem passado
com o peso de esquece-lo, este nefasto
fui apenas uma miragem no deserto dos amores
de cama em cama, extenuada de cansaço
voltei e repisei as pegadas nas calçadas
retornando ao ponto de partida, infeliz em meu fracasso
meus nervos tornaram-se frios e duros como aço
meu sentir apagou-se em noites de torpor e descompasso
sem memória fui apenas uma ilusão, um calhamaço
mas rompi a cadeia de meus laços.
II
acostumada a levar tiro no peito
abatida em pleno voo
arranha com garras ferozes
e chora escondida o pranto
enfurecida não desiste do encontro
reaprende as regras do jogo
do amor pensou saber um dia
mas ao olhar de novo os olhos do outro
percebe o nada então compreendido
e do renascer do calor em suas entranhas
mulher faz-se novamente
como da primeira vez em sonhos.
GIORDANO BRUNO
Uma bola de fogo invadiu o espaço aéreo,
por trás da cortina de fumaça,
vislumbrou-se uma figura esquálida.
Era o homem em sua face de dor e miséria,
andrajos e cara de fera.
Do torpor da multidão atônita,
de olhar estupefato e torpe,
nasceu um pavor sem nome, sem espera.
Tudo, num momento, fez-se caos
e batiam-se cara a cara,
o medo e a covardia dos feito máscaras
de concreto e fúria.
Onde andaria Giordano Bruno nesta hora?
Deitado em berço esplêndido,
o poderoso esvaia-se em desculpas pela mentira
e frente ao estupor pela violência incontida das massas
gritou:” esperem, tudo foi um engano, eu nunca prometi clemência!”
Na fogueira da Inquisição,
queimava Giordano Bruno neste instante,
envolto em magia e mistério.
Ele não teve escolha!
“Eles sofrerão mais do que eu por seus atos”,
foram suas últimas palavras, apóstata da hipocrisia.
SPIRITUAL
não é feito de palavras - impressões apenas
será eterno? concreto? real? amor somente...
é construído de sons, balbucios, gemidos
virá sempre: calor, prazer
não houve nenhum não, promessa, sofreguidão
não houve dor, lascívia, tesão
energia pura, contato cru, carne viva
imensidão
não é feito de gestos, intenções apenas
atemporal, legítimo, será vívido
é próprio, perfeito, sexual
sentido apenas, não é feito de conclusões
será cristalino, belo, pura ilusão
é sim, é não
latente, vital
completamente louco
espiritual...
DEPOIS DO ADEUS (1999)
YOU DON´T KNOW ME
Uma mulher, um saxo
Uma voz rouca e suave
Doces palavras pela casa vazia
Uma música, cigarros, lembranças
Muita esperança
Uma paixão eterna e louca
Um amor roubado, um sonho partido
Calor, noite alta
Uma saudade doída, uma vontade
Fantasias dourando a pele
Sem querer um suspiro, uma lágrima
O pensamento no futuro incerto
Uma angústia, um estremecimento
Uma certeza inexorável
A luz acenderia
Os dias seriam assim para sempre
Calmos, ponderados e felizes.
WISH YOU WERE HERE
Não sei o que há comigo...
Acordei com um jeito de ontem
O café não tinha gosto
Fumei e só tossi
Senti fome mas não comi
A música não ouvi
Sentei, levantei, andei de lá para cá
Não falei com ninguém
Nem alguém sequer eu vi
Troquei a roupa inúmeras vezes
Nenhuma agradou o meu vestir
Esperei o telefone tocar
A campainha bater
Nenhuma mensagem
Resolvi ficar quieta
Esperar que chovesse
Não houve modo de dormir
Tentei pensar no que pensava, esqueci
Não sei o que há comigo
Até parece que morri
A noite veio e tive medo
Amanhã também será assim?
Nem chorar eu consegui
Não aguento mais mentir
A verdade é tão óbvia!
Como não percebi?!...
Só queria o tempo todo
Que você estivesse aqui!
I PUT A SPELL ON YOU
Pareço ressentida? Maldição!
Amei-te muito e tudo foi em vão
Desisto! Sim, desisto!
Negaste-me carinho, morto o meu desejo...
Pareço tresloucada? Arrependida...
Vi com os olhos da paixão
Tu? Tolo! Tonto! Desalmado!
Sangra a ferida de minh´alma...
Já já serás passado
Novos amores virão
Deixo de esperar-te
Digo-te, apenas em pensamento
Covarde! Sei que estás apaixonado!
CRUEL WORLD
Inteligência? - Passagem para o inferno
Sensibilidade? – Entrada garantida
Do lado de dentro – Os loucos
De fora, felizes – Os comuns
Amor? – Para muito poucos
Solidão? – Para os outros
Beleza? – Feita a ferro e fogo
Pobreza? – É o que resta para todos
O tolo? – Confessa a dor que sente
Felicidade? – Uma bobagem ingênua
Verdade? – Quem dera a conhecesse
Tudo não passa de um mero jogo
Quem quiser que permaneça!
NÃO MAIS
Dizer-te não mais
You broke my heart
Em teus braços dizer
I love you so much
Trazendo em meu peito os sonhos passados
Dizer-te jamais I love you so much
Leave me alone, love me or not
Dizer-te não mais
You broke my heart
Em seus braços dizer
I love you so much
Trazendo comigo os sonhos passados
Don´t make me cry, I want your touch.
Não diga jamais
You´re mine, now and even
I love you so much.
Aqui estão poemas que escrevi quando morava em Bagé nos anos 90. Época difícil, não?