Algusn poemas de Primeira pessoa (antologia poética)
BRUTO DE FUSÃO (1984)
ÁGUA
água, morna água
não há trégua
arranque da minha pele
o lixo que me impede
siga seu curso, assim como eu
desvia do breu
não acredite no discurso
ultrapasse os galhos na margem do seu leito
esse é o seu infinito direito
arranque as raízes que lhe prendem
expulse a sujeira que lhe jogam
continue assim, livre
não desista, avance, voe, corra
não, não pare
a sua clareza e frescor
são seu maior trunfo
deixe-me mergulhar
envolva-me o corpo todo
quero sentir o seu calor
liberte-me do medo
do medo de afundar
ensina-me a nadar
eu quero acompanhar os seus passos
não há limites
nem montanhas, nem penhascos
siga em frente
adiante
e quem não lhe conhecer
certamente se afogará
e esse é o seu mistério
que me joga no sonho
no sonho de encontrar-lhe.
CÁRCERE
grades, ferros e janelas entreabertas
palavras, palavras
é a loucura total
vozes que passeiam pelos corredores
vozes de alguém, de alguma coisa
passos abafados
nomes nas lapelas
falsos?
cada pessoa uma história
mil estórias que se confundem
brasas, cigarros acesos
vaga-lumes
cambaleando sobre o chão lustrado
nas paredes imaculadas
o silêncio e o esconderijo
dos que se arrastam sobre os próprios pés
aqui pode-se jogar pedaços, pesadelos
alucinações que se entrelaçam
na realidade dos sonhos
jamais a escuridão
a separação física que dói
tornando os nervos em fios de cobre
finos arrepios que atravessam
a carne, os ossos
JOGO
tudo é um jogo
de vida e de morte
o limite está aqui
aqui sob os olhos
a cada minuto, segundo
é só escolher vida ou morte
estamos todos presos por um fio
que frio !arrepio
que percorre a espinha
e que espezinha
essa sensação
de nada absoluto
esse luto no coração
que vazio
e absoluta solidão
ah! essa tesão
de vida e de morte
essa cilada, armada
que armadilha
foge prá tua ilha
dá-me teu norte
teu sul, sei lá
qualquer coisa
tira-me desta masmorra
que morra
não gosto da tua presença
tua possibilidade
minha escolha
morte, trolha.
TANGO
ah! quando aquele argentino
pegar-te pela mão
e te convidar para dançar este tango
não, não tenhas medo
ele vai te fazer voar
junto ao corvo negro
que ronda teu corpo
esperando a morte que vem e não vem
então verás a vida de cima
saberás onde pisar e como escorregar
pelo limo que chama os teus pés
lentamente mergulhar
e saber que se afogar neste mar
é tão bom quanto dançar
descalça e louca pelo tapete da sala de estar
rodopiando, rodando até tontear
sentindo este portenho “muy loco” te beijar
as nuvens cercarão as tuas pernas
e tudo será ar
e este calor que brota de algum lugar
não é o fogo maldito do inferno a te queimar
é só o desejo de amar
com o cravo vermelho entre os cabelos
a cantar
as mãos a te acariciar
não são as mesmas que tentaram te matar
esses dois olhos negros a te mirar
são o teu desejo e nada mais
e quando as pernas se entrelaçarem
neste passo de não imaginar
é tua hora de gozar
não há mais nada a latejar
tuas lágrimas escorrerão pelas cordas vocais
e o choro virará música
abras então a tua boca
e grites
jamais!
Estes poemas compunham meus primeiros escritos, que organizei como um livro chamado Catarse ou Bruto de Fusão. Foram os que sobraram, o resto desgastou-se com o tempo.