ODE À INCONSTÂNCIA DA CRUZ
«Semana da Paixão 1973»
Ó mundo desvairado por miséria,
Que deixas em ruína a Humanidade,
Que róis os alicerces da amizade
E lanças garras só à vil matéria!
Ó gente que és privada de bom senso
E não deixas que em ti o amor puro
Forme, compacto, um Ideal imenso
Que roube à Eternidade um bem futuro:
Ouve os gritos daqueles que roubaste!
Pede perdão pelo mal que semeaste!
Apaga, se ainda em ti houver vigor,
Do coração da nova juventude,
As trevas que lhe escondem o Amor
Dos amores, com a força da virtude.
E tu irmão, que escutas minha voz,
Lança, no turbilhão que arrasta o vento,
Tudo o que para ti seja tormento
E segue em frente o Sol que brilha em nós!
Mas, coisa estranha fez-me descobrir:
Parece não ter vida o teu sorrir...
E é apenas comigo! O que fiz eu
Que ao me veres começas de fugir
E não me dás sequer um olhar teu?
Surgiram já três sóis no horizonte,
Outros tantos se foram no Ocidente,
Sem que dês um sinal na tua fronte –
Tu que eras para mim tão sorridente!...
Eu sei que indigno sou por assim ser
No entanto os teus irmãos sofrem também,
E por verem, ademais, teu proceder
Demonstram a tristeza que já têm.
Não lhes aumentes mais a sua agrura
Pois que tal não merecem. E porventura
Já esqueceste as horas de alegria
Que passámos, há dias, na montanha
Com nossos companheiros de mãos dadas?
E cada um de nós folgava e ria...
Como se nossas almas irmanadas
Formassem uma só, assim, tamanha?
Já esqueceste que o nosso belo Ideal
É procurar, com todo o fiel ardor,
Erguer no nosso meio a triunfal
Construção que é: a Luz e o Amor?
Será que começou em ti, escasso
Afastamento deste mesmo Amor?
Será que já não sentes o vigor
Que guia teu caminho passo a passo?
Não creio! Volta com o teu olhar!
Faz brotar nos teus lábios um sorriso
Que a todo o mundo possa demonstrar
Que não desejas mais que o Paraíso!
Resiste, sublimando o vitupério
Que algum dos teus irmãos ousou te dar
E afasta dos teus olhos o mistério
Que em mim eu não consigo decifrar...
Sabes? Quando vacilo no embaraço
De me ver na procela solitário
Elevo o meu olhar pra um ponto fixo
Que vejo cintilar lá do Calvário.
Então eu corro a Ele e um longo abraço
Me prende fortemente ao Crucifixo...
É o vínculo da Vida e do Amor
Que nos sorri do Alto meigamente.
É um coração de Pai que injustamente
Ali foi trespassado pela dor
Que lhe levou a ponta de uma lança.
…………………….
Vês tu? Quem haverá que perante isto
Se não trespasse pela Luz da Graça?
Qual frágil coração não sente esperança
De conquistar o coração de Cristo?
Onde haverá um Ideal que satisfaça,
Mais que Ele, toda a agrura e ansiedade?
Ó velha Humanidade, onde moras?
No coração das Trevas? Nos escolhos
Que marginam os sonhos da Verdade?
Foge! Corre! Não tenhas mais demoras!
Liberta o coração de tais abrolhos,
Eleva para os céus os sonhos teus
E vai dormir em Paz nas mãos de Deus!...
Frassino Machado
In INSTÂNCIAS DE MIM