Apocalipses do cotidiano
Caso haja uma realidade em mim,
No silêncio é que ela é revelada;
Noites de solidão onde flutuam
[as raízes da minha consciência
Pois nas ancestrais sombras eu descubro
[o mistério deste meu finito corpo fraco e débil!
Eis enfim a hora em que não é mais possível duvidar
De que os limites do tempo e do espaço se aproximam_
O mundo oscila no silêncio espectral desse universo vazio,
E das profundezas em que a renúncia me lançou
Sinto que sou a árvore que nasce da obscura decomposição da terra!
O meu espírito se confunde com a neblina
Que espalha o caos e a confusão da existência;
E o pressentimento de que nada fui enfim me invade_
[sementes de revoltas esmagadas pelo chão onde jazo e choro,
Porque nada sou senão este cadáver que desce empalado
Pelas águas tortuosas e desconhecidas da morte.
As coisas de repente passam a existir dentro de minhas retinas,
As vozes milenares ressurgem como a criança desaparecida
[que renasce um dia da penumbra de um lar violento e desconhecido.
Sinto-me que sou o espectro que devora
a contínua metamorfose das coisas e que sente nos ombros
Todas as tristezas das épocas passadas e atuais.
Cada forma é uma promessa que se cumpre (como o amor!)
E que avança para o rio onde reina a morte incessante,
A morte longínqua e contínua que alonga os dedos
E revolve os corpos como uma larva no silêncio da noite.
E assim desço silenciosamente aos sepulcros onde o tempo se consome
[como uma lâmpada que arde na noite solitária de cada ser humano,
E nada enxergo senão a sensação de uma luz que flameja no âmago
[das carnes decompostas nas casas, nos comércios, nos hospitais;
E nesse instante, como o homem que morre depois de ter sorvido
O grande espaço onde sonhos e asas flutuam solitariamente
Vejo o frio me penetrar lentamente e sinto o fogo que sobe dos montes:
“ali está a densa fumaça da verdade absoluta.”
Fluem em meu sangue os apocalipses da matéria, do tempo e do amor.