Jazigo e Renascimento
Acho que te reconheço agora, ó Vazio carrasco,
Esquife frio de outonais e insurretos esquecimentos.
Com olhos hirtos de luz toldada no escuro espaço
Ou com o coração de flores sob o pêndulo do Tempo.
Se fosse outra a pungente vida e a ininteligível paixão,
Quem sabe falecesse o céu diante de todo o nosso sofrimento,
E a lembrança triste do relógio com a morte em comunhão
Ecoasse em nosso seio alguma melodia de esperança e redenção.
Mas os teus olhos estão fechados a todo irrevogável momento,
Em que tu já foste feliz na beira daquele riacho abandonado.
A imagem de teu sonho antigo jaz ainda em teu olhar afundado,
E o reflexo de quem tu nunca serás é a caricatura de teus tormentos.
Tantos risos e alegrias que a qualquer instante são soterradas!
Tantas lutas e vitórias almejadas, desbravadas e conquistadas.
Todo esse fulgor adamantino do HOJE que enche o nosso olhar
Com esta vontade de viver, mas uma mera brisa pode o fogo apagar.
Mas para onde caminhar tanto se somos apenas moléculas do passado?
E nos teus cabelos rola como gotas de um chuveiro o Tempo alvejado.
Qual o sentido em descobrir o mito das carnes lavradas pelo Tempo
Ou de cantar as flores quando do céu sopram as forças desse Vento?
No silêncio, pois, os olhos cansados refazem o longo exílio dos prantos...
Nós fomos e os desejos são grãos esquecidos no seio da fecunda terra.
E, quando agora, ao olhar a chuva batizar tuas feridas e teus recantos,
Direi: nós somos, como pássaros nascidos no fogo da noite e da guerra.