UM REQUIEM POR VALENTINA
"No dia do cortejo final de um anjo"
Escuto-te, ó Valentina, na tua súbita descida
Aos lugares solitários da terra leve e fria.
Escuto-te, ó morte, na voz da criança vencida
Naquele espaço vazio de sonho e fantasia…
Escuto-te, ó grito, dum peito jovem angustiado
Por entre brumas de um céu mais que merecido.
Tu resplandeces transparente de brilho raro
Numa voz de silêncio mudo engrandecido
Que desliza, vestido de luz e de fulgor,
E, ao ritmo das lágrimas de um rio claro
Escorre lacrimoso pela brisa do mistério…
Escuto-te, ó sorte, nesse espaço azul e etéreo,
De um rosto ansioso, branco e sonhador,
E quero ouvir-te nessa queda esvoaçante
Na espera de um curto abraço equidistante.
Quero que este meu Requiem seja para ti,
Em agudas notas de um estertor que cala
E numa música que com certeza nunca ouvi
Mas é tão profunda que o meu sentir abala…
Quero que esta música de dor amargurada
Arraste juvenis vozes de um outro canto
Ao som do alaúde triste e impaciente
Que não sabe qual é a hora aprazada.
Quero, ó balada, de uma alma despedaçada
Ouvir as nostálgicas notas do espanto
E sublimar as lágrimas deste meu pranto.
Oiço as vozes das crianças, no pátio do recreio,
Mas também oiço as palavras titubeantes
Quando na tua escola as dizias, sem receio
De te sentires inquirida p´ las tuas vigilantes…
Tu, ó Valentina, nunca sonhaste com balões
Brancos ou rosas que teus amigos t´ ofertaram
Ou te lançaram sufocados em emoções
E com tantas e tantas flores que lançaram
Quando do campo santo t´ esperaram aos portões.
Foi uma festa, ó Valentina, que não esperavas
Mas tu sabias que ias e não mais voltavas!
Tudo agora se cala em ti, para nosso lamento,
E contigo se calam outras vozes inocentes
Cujos sonhos tombaram por igual tormento
Às mãos sanguinolentas d´ algozes repelentes.
O maior prazer em ti vestia-se de solidão
Nas horas e nos dias que por ti passaram
Resumindo-se aqui e agora nesta oração
E nos desejos puros que te acompanharam
E que repousam finalmente nas mãos de Deus.
Que a memória se renove viva nesta saudade,
À luz da paixão ingénua da tua liberdade,
Naqueles que por certo te verão nos céus!
Frassino Machado
In OS FILHOS DA ESPERANÇA