O Nascimento da Alma Guerreira


De uma tumba qualquer ou quem sabe
de alguma velha e imponente pirâmide,
Como que na lenda da fênix
renasce das cinzas da sua mortalha
um intrépido guerreiro.
Perturbado pela culpa que apunhala-lhe o espírito,
a missão que não foi ainda cumprida.
Preferiria não voltar ao mundo dos vivos,
mas persiste escravo das suas teias cotidianas.
Necessário por-se em pé,
erguer-se do seu sono de eternidade,
retomar as rédeas do combate.
Contrariado alinhava os desfiados músculos cardíacos,
repõe sua alma na armadura humana.
Quebra com potente soco o seu velho esquife,
com passos felinos invade vagarosamente a vida.
Não está triste, não está feliz
e este equilíbrio de forjadas indiferenças torna-lhe vazio.
Quer redimir-se da guerra perdida,
esbraveja as paredes pedindo as armas,
quer a rejeitada luta.
Onde estaria o seu grande opositor,
o adversário a ser buscado.
Como encontra-lo para o combate?
Cheio de obstinação
e com o orgulho ferido quer a vingança,
quer a forra, quer dar o troco bem dado.
Como alma penada que não aceita a derrota do destino,
quer preponderar erguendo com toda sua fúria.
Despreza as emoções que o perturbam com a sensibilidade,
recusa os sentimentos que tornaram-no fraco.
Em sua compulsória humanidade,
combatem um menino cheio de pureza
e um macho dominante.
Quer apegar-se a toda virilidade do velho instinto,
batam os tambores, alinhem-se os combatentes.
Não importa se é um anão ou um gigante,
é preciso encontrar um meio
que propicie a desejada vitória.
Cansado de tantas batalhas parciais,
dos inúmeros combates, quer a guerra total,
o confronto definitivo.
Pressente a vulnerabilidade do seu corpo físico,
percebe que as sensações são caminhos para as dores.
Pois então desacata a dor física,
nada pode ser pior
que a dor de uma alma perturbada a auto assombrar-se.
Ergue o punho em desafio aos céus,
com sarcasmo mórbido diz;
que quem está morto não pode morrer.
Sabe porém ser pura bazofia, de fato
está vivo e num corpo vulnerável,
podendo morrer novamente.
De novo a morte,
o empecilho para cumprir
a sua missão de vida,
a barreira que limita-lhe a vontade.
A maldita e bendita morte,
o túnel que liga a vida no corpo
e a liberdade no vagar do espírito.
É neste limiar que existe o menino que ama,
o homem que pondera
e o velho macho que odeia.
Uma divisão trina de um mesmo ser,
que tenta reunir as facetas de si
que parecem inconciliáveis.
Uma estranha situação
onde uma única individualidade
parece abrigar em conflito suas partes.
Momento de exaustão,
nas batalhas nos campos da consciência,
um instante de descanso.
Questiona-se mais sereno,
tem a noção da sua antiga estupidez,
desafia o destino, mas sabe a sua força.
Toma contato com a obstinada teimosia,
verifica as muitas vezes que ergueu-se na sua desforra .
Já são muitos os duelos,
as competições de embate de força,
são vitórias que andam junto com derrotas.
A senil fúria animal já fez tantos estragos,
vítima e algoz de si mesmo,
a agressividade que cega.
Controla a tremenda impulsividade,
senta-se a beira do caminho,
despoja-se da alma bélica.
Com os olhos que tanto já viram observa a longa jornada,
entretanto não consegue ver o fim.
Escuta as lembranças
e percebe que sempre revidou,
que nunca deixou sem resposta a uma ofensa.
Quantos inimigos, a prisão do orgulho e vaidade
com o seu cárcere de lutas que nunca têm fim.
Farto do repetitivo destino,
dividido entre a honra do guerreiro
e o saber nascente das vivências.
Não conseguindo conter-se,
manda as favas o inimigo,
esbraveja uns muitos impropérios a estrada.
Abandona momentaneamente o corpo
e vai viver o menino
que diverte-se com o ondular da brisa.

 
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 21/12/2019
Código do texto: T6824060
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