OS ANJOS DE AUGUSTO

Ao ler-te uma vez - senti-me estranho

No cientificismo se baseia

Naquele esdruxulismo sem tamanho

Tão áridos teus versos como areia...

Feria então, sem dó, a minha córnea

Os vermes, vírus tanta podridão

Deixava-me engulho e convulsão

Ao ler que a vida escorre sim conforme a

Correnteza do rio ao estuário

Ao ler-te vejo um Dante doentio

Um som tristonho d'um estradivário

Num dó e ré mais grave - mais sombrio...

Um crocitar d'um corvo - um urubu

Aquela carne dada para os vermes

Que os sentimentos tornam-se inermes

Mostrando, então, sem máscara mais cru.

Que toda arrogância do que vale?

Se todos aquele orgulho - aquele mimo

Será carniça e lama e que se cale

O povo todo vendo seu destino.

A última morada - o cemitério

A terra, então, será o cobertor -

Não faz acepção de classe ou cor -,

Se alegre, mais falante ou triste e sério.

Do verso miasmático só esterco,

Tornando-me perrengue e mais pálido

E ao aproximar-me de teu cerco

Só um projeto d'homem via inválido.

Teu Eu em mim ficou impregnado

Os nossos versos juntam-se às vezes

Num axioma, como irmãos siameses

Desmembram-se depois pra cada lado...

Tua poesia um pólen putrescível

Tal qual "Flores do mal" de Baudelaire

E o meu um tanto irônico - irascível

Que nem queria mais esse mester...

Achei-te abjeto indesejável

Amor, felicidade nunca via

Só pustulência, tísica e azia

De excêntrico demais foi execrável

Agora mais maduro consciente

Depois compreendi-te anjo torto

Que evolução avança e mostra à frente

Do que fugimos tanto: último Porto...

Eu vi depois meu caro poeta Augusto

Que os seres que te cercam - os teus anjos

São flores sepulcrais os teus arranjos -

Um verso de esperança em ti é um custo...

O incoformismo e não aceitação

Do mundo controverso - anormal

Fizeram-te de ti uma excessão -

Um ícone atávico - original...

Eu tenho uma visão bem parecida

E tenho visto um povo decadente

E penso que um dia alguém tente

Mudar sua conduta - a sua vida.

Se és escuridão - eu rutilância

Inda tenho um anseio que é puro -

E já vem da epigênise da infância -,

A esperança: semente do Futuro!...

Gonçalves Reis
Enviado por Gonçalves Reis em 01/10/2007
Reeditado em 02/10/2007
Código do texto: T676435
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