Monte Athos

Disseram-me:

“Lança tuas vestes

a túnica, o manto e quanto mais tiveres

ao vento e ao sal.”

Em mim se repete

o gesto original, nova nascença

de útero amplo como o sol.

Disseram-me além:

“Esquece a escritura, quando a aprenderes;

a letra é uma carga e um laço estreito

- o universo, lembra-te, é teu leito”

E eu segui, de pés descalços e palavra

exausta, por desfiladeiros de mim.

“Harpias e dragões hão de encontrar

teu sono e teu peito escavar

quantas dores julgares esquecidas” –

Eis o que disseram também.

Por dragões e por harpias fui tocado

E era tanta noite e a solidão tamanha

Que as dores, por força destas lágrimas

Crisântemos tornaram-se, e campânulas.

“Abandonado serás por Deus e pela Deusa;

Anjos verás que não serão consolo. Paciência tende."

Disseram-me à alma tão retesa

Paciência eu tive.

Vi anjos que pintei de ouro

E na lama por fim me abandonaram.

Deus não me escutava

A Deusa não me ouvia

Além de minha miséria - nada havia.

- A alma de tal homem para o inferno pende!

(Assim pensava, de alma tíbia, peregrino)

“Cala-te, insensato! ” Isso eu ouvia

quando o vento do deserto sibilava.

“ O inferno é o amor agrilhoado

Nas correntes que tu chamas de ‘Eu mesmo’.

Suas chamas são as flamas que consomem

O que retém o rouxinol em cativeiro. Deixa-te queimar.

Em breve tua alma

Será de luz e leve como o ar."

Rodrigo C Pereira
Enviado por Rodrigo C Pereira em 21/08/2019
Reeditado em 21/08/2019
Código do texto: T6725406
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