QUEM CHAMA POR NÓS?
"ACENDER AS VELAS,
JÁ É PROFISSÃO,
QUANDO NÃO TEM SAMBA,
TEM DESILUSÃO."
Vida e morte, dualidade indissolúvel,
visgo que atrela o grito à mudez,
rasgo de impropriedades sempre renovadas,
caminhos fechados,
mãos inertes,
vozes sufocadas,
lágrimas...
Sumidouro onde me debato,
caminhantes solitários
andando à minha volta,
passos sem sons
pra meus ouvidos,
ecos do nada,
sombras, vultos nas janelas,
olhos fechados, pássaros mortos,
e a sempre incômoda pergunta
sem resposta na madrugada insone
e o sempre incômodo silêncio
daqueles que não falam mais
e estão mais vivos do que nunca
nas horas vazias entre quatro paredes,
nas horas sem fim das tardes doloridas
esparramadas em minutos e segundos,
nos espaços vazios entre o sorriso e a lágrima,
nas mesas, nas cadeias, no leve estremecimento
das folhas, no vão das portas,
nos corredores, nas galerias
onde às vezes uma voz parece chamar nosso nome
e ao olharmos pra trás, só vemos rostos estranhos,
mãos, braços desconhecidos.
(Et maintenant, que vais-je faire, se tu es parti?)
E voltamos pra casa, e voltamos pra onde?
Se ainda nem estamos indo e já voltamos?
E se já nascemos mortos, já nascemos
condenados a esse degredo num corpo inútil,
empurrados por poderosos músculos para a vida,
gritando que não queremos nascer...
O silêncio fala a língua dos mortos,
murmura suas súplicas,
exalta suas palavras
e a música pungente acorda
aqueles que se foram,
estende o seu manto sobre o rio
do esquecimento e deixa que
caminhem até a nossa margem.
E entre os dias e as noites
em que por aqui ainda nos debateremos
com nosso sangue, nossas vozes, nosso medos,
a vida estará gritando pelos parques, pelos caminhos
abertos, nas vozes dos pássaros, nos recantos dos jardins
e a música que acorda os mortos (mas exorta os vivos)
estará tocando inutilmente nos nossos ouvidos,
surdos em se precaver da felicidade,
estará percorrendo nossas entranhas, riacho claro
de águas cristalinas,
estará escorrendo pelas paredes, como lágrimas.
estará batendo portas e janelas como vento,
estará gritando nosso nome, sem parar, sem parar,
sem parar,
por que teimamos em não ouvir?