Apenas

basta-me semicerrar os olhos

transportar-me para longe daqui

dentro de uma nuvem sobre o vento

sou do ar e da verdade que chora e ri

mais acima sinto-me tão eu e atento

como pássaro que gargalha fora de si

gosto de seguir a marcha das formigas

que pisam a terra oca que se contrai

chupam a água pelas barrigas

escravas no ritual dos seus ais

quanto mais alto me transporto

mais distante estou das formas

perco-me fora das normas

e separo-me do jugo da palavra

estou na garganta de uma fada

que me empurra mais para dentro

da minha explosão sem trovão

apenas sinto a divisão do meu corpo

provocada pela pólvora que desagrega

em migalhas de um tiro de canhão

finalmente sou do etéreo e do perdão

em voo suspenso e incerto para sempre

bato agora as minhas asas de borboleta

como uma pena só e sem pena de voar

flutuo na garupa deste poema que vai

apenas subo choro e desço lento

permaneço estático e finjo apenas

que sou um observador atento

embalado pela tristeza que dói

não ouço mais o riso das hienas

apenas um doce e leve lamento

em volta da minha nuvem que cai

estou agora numa lua sem vento

sem onda balanço e sem sustento

apenas ausência que sai

Mongiardim Saraiva
Enviado por Mongiardim Saraiva em 14/03/2019
Reeditado em 02/08/2020
Código do texto: T6598198
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