EU E O MUNDO

Dia desses, nós nos encontramos

E sentimos um aperto no peito.

Fazia tempos

(embora sempre nos sentíssemos

como algo meio atemporal)

Que não nos víamos.

Trocamos olhares desconfiados:

Seriamos nós, mesmo?

As esquinas, as pessoas, os pensamentos…

As peles, as maquiagens…

As calçadas.

Os desejos, as ambições, os enredos

As saudades, as notícias,os panfletos

Quantos tormentos...

Sem endereços.

O céu encortinado,

O horizonte empoeirado

A chuva ácida e escassa de chão.

O discurso e o abuso,

Uma só miscelânea sem cara.

Foi dia desses,

E nada mais sabíamos de nós.

Apenas nos tangenciamos

Como dois seres estranhos a si

Numa familiar consciência metafísica

De se ser apenas em vaga sensação.

De se saber ser sem nunca se saber o quê.

Quem de nós dois teria mudado tanto?

Antes, num soslaio de segundos

Como mesmos fractais da existência

Nos reconhecíamos mutuamente,

Instantaneamente.

Agora, tudo é só rejeitos

Que buscam os caminhos de ninguém.

Sonhos, conquistas, focos, metas…

Tínhamos as mesmas lentes.

Até colecionávamos valores pétreos!

Paisagens pétreas?

Sentimentos pétreos?

Perfumes e texturas…

Toques...retoques.

Dignidade nem se questionava.

Tudo dantes parecia tão para sempre.

Não, não éramos mais nós.

Almas mutantes? Isso existe?

Nesse só impressionismo do que nunca fica?

Como assim?

Mas todas as perguntas,

eu as perguntei só para mim,

Porque sei que ele também não tinha respostas.

Dia desses, ambos mudos,

Nós nos encontramos…

E nos procuramos desesperadamente.

Tudo inútil.

Nenhum de nós era o mesmo todo.

Por pouco não nos pedimos desculpas.

Eu me ative ao óbvio:

Nunca se encontra o que não existe mais.

Viramos as esquinas rapidamente

Qual máquinas de softwares descartáveis

Cada qual rumo ao seu destino incerto

De obsolescência programada.

Eu tão ínfima e ele tão enorme…

(nada fez diferença quântica)

Ambos equidistantes

Dos começos.

Dali então,

Apenas seguimos

Eu e o Mundo,

Ambos irreconhecíveis.

Deveras suados e assustados.