TEMPO DE MUTILAÇÃO
A noite se abre
Constelação de signos
Escrita silêncio que canta
Séculos, gerações, eras
Sílabas que alguém diz
Palavras que ninguém ouve
Ecos chamando
Labirinto
Olhos se afastam
Perdidas todas as batalhas
Abriu-se o minuto em dois
[Li signos na testa desse instante]
Os vivos estão vivos
Andam, voam, amadurecem, explodem
Os mortos estão vivos
O vento os agita, os dispersa
Cachos de sombras que caem entre as pernas da noite
A cidade abre-se como um coração
Como um figo – a flor que é fruto
Mais desejo que encarnação
Encarnação do desejo
Algo se prepara
Nada se diz exceto o indizível
Este mesmo inverno vacilante
Este mesmo ano doente
Fruto fantasma que resvala
Entre as mãos do século
Ano de medo
Tempo de sussurro e mutilação
Ninguém tinha rosto aquela noite
No “underground” do Rio
Ninguém tinha sangue
Nem nome nem espírito
Já não há prazer
Já não há dor
Nem amor
Corpo e espírito afastam-se
Sem invenção
Solidão sem letras
Poetas longínquos
Sem mãos de escrever
Tristeza e paixão
Mutilação
Rose de Castro
A ‘POETA’