TEMPO DE MUTILAÇÃO

A noite se abre

Constelação de signos

Escrita silêncio que canta

Séculos, gerações, eras

Sílabas que alguém diz

Palavras que ninguém ouve

Ecos chamando

Labirinto

Olhos se afastam

Perdidas todas as batalhas

Abriu-se o minuto em dois

[Li signos na testa desse instante]

Os vivos estão vivos

Andam, voam, amadurecem, explodem

Os mortos estão vivos

O vento os agita, os dispersa

Cachos de sombras que caem entre as pernas da noite

A cidade abre-se como um coração

Como um figo – a flor que é fruto

Mais desejo que encarnação

Encarnação do desejo

Algo se prepara

Nada se diz exceto o indizível

Este mesmo inverno vacilante

Este mesmo ano doente

Fruto fantasma que resvala

Entre as mãos do século

Ano de medo

Tempo de sussurro e mutilação

Ninguém tinha rosto aquela noite

No “underground” do Rio

Ninguém tinha sangue

Nem nome nem espírito

Já não há prazer

Já não há dor

Nem amor

Corpo e espírito afastam-se

Sem invenção

Solidão sem letras

Poetas longínquos

Sem mãos de escrever

Tristeza e paixão

Mutilação

Rose de Castro

A ‘POETA’

Rose de Castro
Enviado por Rose de Castro em 07/09/2007
Código do texto: T641979