Oráculo para o maciço de Baturité
Palavra de Horfeu para o maciço de Baturité;
Veio a mim uma visão; numa sexta feira
No dia quarto do mês cinco, numa noite
Quando as trevas calaram todo esplendor; Veio à mim
uma profecia da parte dos céus tenebrosos,
Das Ondinas dos orvalhares das flores,
Eu o Poeta Horfeu estava dormindo
Quando me veio uma inspiração:
Assim eu recebi a palavra: Ouvi Ó maciço
E atentai povo desta região
Sou eu o senhor que fala com tristeza
Não aguento mais tanto murmurar
Não suporto mais tanta violência
Tem este povo ouvidos pra ouvir?
Tem este povo boca pra agradecer?
Tem este maciço orgulho de tantos males?
O vento sopra pro Norte e não mais volta
Há pobreza e fome
Os políticos brincam com o povo
E o povo não liga pro sofrimento do seu irmão
Criei eu animais ferozes?
Criei eu o Poeta um bando de escorpiões?
Não existe mais carinho
Não há mais beleza no sorriso da donzela
Os dentes das crianças estão trincados
O cabelo das mulheres exalam mau cheiro
Os velhos são orgulhosos e zombam de mim
Cabe ao maciço entender o que é o Amor?
Não sou eu o Poeta dos poetas?
Donde existe vida que outrora não mais há?
As flores do maciço secaram
A lua do maciço é um sangue de menstruação
O cheiro do mel da italiana ficou amargo
Falem a Aracoiaba, rugirar o pequeno Antônio Diogo,
Sonhe por pouco tempo o Itapaí
Toda a beleza murche no Acarape
Grite Redenção de pavor
E o gavião Baturité morra sem o orvalhar dos céus
Deslumbrem as belezas de Guaramiranga
Vociferem todo o lume do meu povo, Ó Pacotí
Arrastem todos os ciúmes de Mulungu.
Meus filhos mentem por dinheiro
A criança é negligente desde o berço
A mãe si orgulha do seu vazio
Ó maciço do Campina vermelho porquê?
Nunca se ouvirar mais tanta poesia
Jamais a beleza do Jacu será lembrada
Eu sei o que tu quer ó noite sem silêncio
Cantem os passarinhos lamentações
Cantem os gentios uma canção torpe
Não vejo mais beleza nas donzelas
O brilho do maciço a política assassinou
Todo o cheiro das serras foi apagado
Ó eu sou o Poeta que fala
Eu vejo nas trevas das letras
Sei que nunca mais o Sol vos iluminou
Quando me assento na varanda choro
Minhas lágrimas são pelo meu povo
Ouvi povo do maciço e aclamai:
Vejam o que fizestes com as flores
Tu eras um donzelo de mil faces
Ó por que tu si embeleza?
Tua feiura é notável Baturité sem gorjeios?
Não finja ser virgem na relva dos capuchinhos
Nunca mais brilhe a tua lua
Nunca mais brilhe tua paz neste povo
Povo que desconhece a beleza do pobre?
Pois tu é a rosa azul do Cruzeiro católico
Pois tu és a tulipa vermelha dos protestantes
Pois tu és a virgem que o nome faz inefável
Maciço eu preguei o amor e tu não ouviste
Tu ouviste as sombras dos tuas fronteiras
Eu sei que teu povo sofre
Eu sei que teus jovens matam
Eu sei que tuas fêmeas perdem o sono
Não há paz no Baturité e também no maciço
As trevas são enormes
As agonias são comuns?
Que tristeza Ó donzelo sem paz
Mas eu sei também de tua virtude
Do teu café que aquece no frio
Eu sei que tu eres um incansável trabalhador
Tu eres a estrela que insiste em reluzir
Ó maciço atentai pro Norte de todos os lírios
Haverá paz para este pequeno cabrito
Nunca mais o jumento morrerá na quentura
O urubu comerá mangas e acerolas
O pombo deixará de ser arisco
O gato novo não sofrerá fome junto com os cachorros
Ó pequenino maciço saiba que o Poeta te ama
Eu serei teu contemplador
O sol existirá na tua fronte povo meu
Clamem a luz e haverá luz
Clamem as trevas e haverá confusão e morte.
Nosso sonho é ter-te por completo
Ó maciço do meu amor
Pare de matar teus irmãos
Não levante a faca não mais
Não levante covardia com revólveres
Não si precipite nas trevas sanguinárias
Ó povo do meu poema tu saberá me amar?
Eu vejo no rosto da donzela esperança
A Graúna cantará eternamente
E o Periquito-da-cara-suja será o teu símbolo
Atente aos anjos do teu céu tão rico Baturité
Tuas igrejas serão um monturo
Mas tua alma um Palácio da verdadeira fé
A fé que emana o amor para sempre
Para sempre o Sol será teu guia
O povo de fartura e pobreza aclamem os livros
Ditem poemas de paz e gozos
Tuas serras serão findas
Teu acordar será de farturas de queijos
Tuas esposas serão eternamente jovens
E o Sol guiará os madrigais ao tesouro do campo.
Ó Baturité até quando tu serás novamente livre?
Tua escravidão está acesa ainda hoje
Mas no horizonte o Azulão trina teus segredos
Baturité é homenzinho triste
Que desconhece a nudez de Aracoiaba
Que desconhece os mistérios do Antônio Diogo
Que chora por Redenção e morre junto com a carnaúba
Carnaúba que envolve à todos os nordestinos
E de sua cera reverbera um sonho
O sonho de quê este poema será imortal
Assim falou o Poeta Horfeu e assim será
Que as rimas se cumpram
Que haja paz no maciço
Desde o dia e a noite.
Ó terra fabulosa, beba sempre o melhor dos vinhos.
Amém.