Dores da alma
Dói a alma
que percorre o fio da navalha
cortando-se delicadamente
Nem chega a sangrar...
Depois vem um alívio
Uma cumplicidade
Um silêncio tatuado entre paredes
Mãos entrelaçadas
a segurar o desejo
na teia da manhã
Dói a alma
ver o sol nascer
impunemente
a esparramar-se diante de
uma reta ideal
A projetar sombras
E colorir nuvens...
Meus pensamentos curativos
recitam Camões,
Drummond e Florbela Espanca...
E as pernas perdidas
procuram fazer o caminho
Mas, onde está o alvo?
Haverá ponto de chegada?
Haverá o cais...
e atar as amarras.
Mas, a alma não conhece âncoras
Navega ao infinito
Desafiando a lógica.
Não possui dialética.
Apenas a métrica um corpo
premido por emoções.
Saem de minhas mãos
palavras esmirradas
num pretenso branco do papel
A tinta escorre lânguida
nas redondilhas das vogais.
E, tremem nos pontos finais.
O apocalipse é sempre dramático.
Não queremos o fim.
Mas, caminhamos todos os dias
para ele.
Indefectivelmente.
Dói a alma
diante da manhã súbita
É uma manhã a menos.
Porque amanhã, será outra.
Inédita. Inaudita.
Imprevisível.
Verei aquele orvalho?
Encontrarei um semblante amigo?
Os raios em seu declínio
descerão...
Religiosamente.
Morrerão alguns.
Nascerão outros.
Entre manhãs inéditas
e noites óbvias.