A DIGITAL POÉTICA
A mão do poeta
às vezes colhe a fruta acima,
aquela que está a um palmo
do seu braço estendido,
a vermelha
que amanhã sumiria da árvore
pela força da dissipação.
A mão do poeta
às vezes recolhe a fruta instável
aquela sobre nossas cabeças.
Ele toca os dedos,
marca suas digitais,
na casca aparente,
e exibe o fruto.
Ninguém o conheceria
não fossem os dedos do poeta,
na sua busca
pela revelação do sabor,
do puro magnífico.
É a mão do poeta ainda
a mesma mão
de quem segura a corda no abismo,
o galho fixo
quando passa a enchente
e essa mão atira a pedra,
muito longe, afora;
para o outro extremo,
cada vez mais afastado,
até surgir os cabelos
da ninfa da lagoa.
É a mão do poeta:
a canhota,
(ela não se finge morta
para ser aferida),
ou a direita,
que exibe o notável,
prossegue a colheita
e compreende
porque as margens das unhas
se mantém limpas,
mesmo após o seu uso espesso.
DO LIVRO:"ADVERSOS E OUTROS MOMENTOS"