Morte na janela

A janela era um oco buraco

escancarado pro mundo

que mostrava

um chinelo furado

e na cama

o seu moribundo.

Semimorto, Abdias sofria.

Absorto na morte

gritava, gemia.

Na janela escancarada

o povo vaiava...

E o povo aplaudia...

A dor era tanta

que o povo exultava

querendo mais dor...

Polegares pro alto

em mãos comprimidas

a plebe ignara

pedia mais vida

pedia mais dor...

E o povo vaiava...

E o povo aplaudia...

Na sua agonia,

com as mãos escorridas

ao longo do corpo

a morte era pouco pro pouco Abdias...

Mas o povo vaiava...

Mas o povo aplaudia...

Súbito silêncio...

O chinelo sumiu.

Os olhares apalparam

parvos

a pela parca

do pouco Abdias...

Abdias morreu...

Abdias morreu!

Abdias morreu!

E o povo vaiou...

E o povo aplaudiu...