ENTRE A BALA E A BORBOLETA
Morrer é um fato sem brilho.
Mas imagino
a bala de prata que perfure o meu coração
e produza uma espiral de impulsos
que torne a morte outro animal.
Eu posso agonizar
e depois me enlevar;
tornar a dor um ganho de vida,
existir pelo mínimo
do orifício do tiro.
Eu posso me sublevar,
suspender o estertor,
reorganizar os fluidos perdidos:
o sangue,
o esperma,
a lágrima
não mais lançados sobre o mesmo chão,
mas conduzidos por uma fístula
até o meu rio de origem.
E posso me contrair
na cápsula da bala,
casulo mágico
e transformar-me
em um ser imprevisível.
Já posso senti-lo,
algo sem carne e forma,
quase uma larva,
quase uma divindade.
DO LIVRO: "BORBOLETAS NOTURNAS NÃO EXISTEM"