ENTRE A BALA E A BORBOLETA

Morrer é um fato sem brilho.

Mas imagino

a bala de prata que perfure o meu coração

e produza uma espiral de impulsos

que torne a morte outro animal.

Eu posso agonizar

e depois me enlevar;

tornar a dor um ganho de vida,

existir pelo mínimo

do orifício do tiro.

Eu posso me sublevar,

suspender o estertor,

reorganizar os fluidos perdidos:

o sangue,

o esperma,

a lágrima

não mais lançados sobre o mesmo chão,

mas conduzidos por uma fístula

até o meu rio de origem.

E posso me contrair

na cápsula da bala,

casulo mágico

e transformar-me

em um ser imprevisível.

Já posso senti-lo,

algo sem carne e forma,

quase uma larva,

quase uma divindade.

DO LIVRO: "BORBOLETAS NOTURNAS NÃO EXISTEM"

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 15/05/2017
Reeditado em 05/07/2018
Código do texto: T5999289
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