Elegia a Deus
Senhor Deus, até quando mais essa tempestade vai perdurar?
Onde está um lugar neste mundo em que não há lágrimas e dor?
Onde há um simples campo onde a alma humana possa repousar?
E a noite sempre desaba no final das contas para em tudo decompor.
Olha para as crianças e idosos que não tem um pedaço de pão,
Vede com teus olhos, meu senhor, que a misericórdia não existe mais.
Pagamos tantos impostos e tributos, e ainda assim ninguém é cidadão
Em um país que nos abandona, nos rouba, mente-nos há séculos atrás.
Depois de mais um dia árduo de trabalho, as mãos calejadas e vazias
Suplicam por uma vida digna, por um leito em que haja sono e paz.
O sol mal acorda e já é preciso estar em pé nas tormentas dos dias
E a injustiça e a ignorância procriam rebentos de escravos ancestrais.
Tenha dó dos pobres de espíritos nas fortunas e ganâncias afundados_
Pois estes, nas riquezas ilícitas de suas mansões, são pobres desgraçados;
Tão pobres e estúpidos que nem enxergam as misérias ocultas nos rostos,
E semeiam leis injustas, aves de desesperanças e sentenças de desgostos.
Tenha compaixão, meu senhor, das prostitutas tão bonitas e tão vazias;
E dos homens que compram sexo para mascarar essa ausência de alegria;
Tenha dó dos que pregam, julgam e condenam em teu nome sagrado,
Julgam-se santos e sábios, mas vivem na devassidão e espalham o pecado.
Ajuda, Senhor, aos que pensam que tudo está perdido,
Aos solitários sem amigos, aos desiludidos pelo amor.
Senhor_ perdoai os suicidas que pela vida são agredidos,
Fortalece os pais, cujos filhos ingratos, choram tanta dor.
Levanta, ó senhor, a sede de justiça e de amor em quem perdeu a fé;
Toca nesses corações tão desprezados e aviltados pela própria nação.
Tantos mendigos, desempregados, viciados e assassinos na degeneração
A viver; eles só encontram portas fechadas e corações sem compaixão.
Fite com piedade as donas de casas, os comerciantes e as escolas,
As crianças sob pontes, os filhos do fuzileiro morto na floresta,
Perdoa, Senhor, os abortos de inocentes e filas famintas por esmolas,
O teu perdão é o único bálsamo que nesta vida incerta nos resta.
Piedade de quem não encontra mais júbilos nas pequenas coisas,
Encontrai as ovelhas e os condenados com a tua luz graciosa,
Tua origem, Senhor, é a incógnita mais hermética e misteriosa,
Mostra-nos a tua essência quando a maldade humana é tempestuosa.
Desperta, meu senhor, os mansos de espírito que nada fazem pelo bem;
Do que adianta conhecer tanto as tuas palavras, visitar templos e orar
Se no dia a dia não queremos amar, ajudar, unir, entender e perdoar?!
Dizemos que somos irmãos, mas humanidade e humildade poucos têm.
Tenha infinita misericórdia dos que não veem mais sentido em nada,
Do homem habitual, corriqueiro com seus afazeres e seus problemas.
Senhor, perdoa as ilusões dos que buscam prazeres nas madrugadas,
Dos conformados com tudo e não bradam os próprios dilemas.
Os preconceitos a gerar discriminações, exílios, guerras e fingimentos;
Várias doutrinas não tocam e nem redimem o espirito dos necessitados,
Amar a Deus pela política do medo é o refúgio e a arma dos fracassados,
Pois Deus supera religiões, dogmas, templos, filosofias e conhecimentos.
Senhor Deus nosso! Até quando mais essas trevas permanecerão?
A vida se tornou em uma noite perpétua de calvários e de tristezas?
Senhor meu_ desnudai, em cada um, as nossas virtudes e fraquezas,
E o espelho da vida revele os mistérios de nossas claras estranhezas.
Acaraú, 10 de dezembro de 2016