SINO DA LIBERDADE: UM DITIRAMBO AOS PEQUENOS HOMENS

(Primeiro Epígrafe)

“Mesmo lugar e hora disseste; mas tive de evitar o convite.

Suspendi a recusa, e me despedi no começo.

Reneguei a ti uma Gênesis, e neste meu Ensaio, isso ninguém admite…”

[…]

Das primeiras histórias infantis, fiz de ti meu testamento;

Perseguindo sonhos e sonâmbulos, te revelei meu único pedido.

Cortinas entreabertas e à salas fechadas, assim acrescento:

“Estou preso nos olhos de homem desiludido”.

Lembro-me quando criança. Uma última voz; minimal, e de pronúncia sensata,

Brilhara como cristal novo, e do ouro esbelto da minha tenra juventude;

Forjara o sino, que seria hino, no início desta jornada ingrata.

“Todos querem a felicidade”. Quase um epitáfio entalhado em sua borda inferior;

Fora esquecido e penhorado, entregue as falésias do contratempo,

Num daqueles antiquários escuros, amargos e de senil horror.

Nunca mais vi tal sino, nunca mais o ouvi soar; contra o tempo.

A tinta então secou, e as Escrituras ficaram gastas.

Os pequeninos já não eram moços e as almas já nos jaziam pesadas,

Deu-se o tempo do tempo, e ficou-me à memória; ferida nefasta.

Pra onde fora, todo aquele furor de quem bradava ao Mar-Senhor,

Na imponência de um Marechal-Aventureiro que em vista do improvável,

Afirmava no incerto, a certeza de ir em frente; p'ra além do Bojador;

E assim, se entregar ao naufrágio, e vingar seu posto honorável?

A todos os homens foi dado um pouco de Deus;

E como Atlas, carregar nos ombros, o céu para o mundo do outro.

No enfado de finalmente Ser; ao negar o livre ser, para ser Livre pelos seus.

(Segundo Epígrafe)

Eis que de novo tropeço no vil destino dos homens,

E cambaleante, me pego a repensar velhos planos, e velhas lendas.

Nos meus olhos ausentes, retrato num passado presente, as mesmas imagens;

Que outrora desmenti, e agora são mais uma vez, minha única Senda.

Comum à folhetins de domingo. Desconto no papiro, o morto passado rendido.

Nas colunas, matérias e talvez no obituário sem assunto, minhas antigas novelas;

E sem gosto, mastigo suas palavras em preto timbrado, mas de cinza tingido.

Quem dera pudesse ter meu próprio Ser-Livro, e ler em mim tudo aquilo que esqueci,

Assim seria fácil apagar algumas linhas, e reescrever tudo em tom de ironia.

Mas a vida se fez assim, uma revolução à francesa: “Vini, Vidi, Vici!”

E como a plebe enfurecida, ousou tomar-me as certezas de minha velha Monarquia.

Gosto de contar segundos, e imprimi-los num tracejar de horas.

É o mesmo niilismo que cativa o passar dos anos, e a serviço do desserviço,

Caduca a pena, sem dar nó a fugaz paciência de Jó, que dizem transcender as Eras.

Então, lá fora, o passado chora, travestido de lágrima chuvosa.

Aproximava-se o frio. Vinha cantando, num longo assobio. Eu pude ouvi-lo.

Gritava nervoso, e sua antifonia, cravejava em minha carne, a alma idosa;

Haveria momento mais oportuno, o renascer de um excomungado sem asilo?

“O acaso me fora dado, presente dos Helenos. E junto ao fogo, fizeram-me ungir filho do Caos.

Da descrença; a navalha cega de dois gumes. Herdara dos bruxos da gruta, nas famosas letras de São Tomé.

E então, da carne fiz honra! Ao rejeitar como lâmina e troféu, o sangue torpe que fazia-nos tão maus.”

Ali estavam todos reunidos. O Frio, o Caos, e a Descrença;

Para tais célebres visitas, não poderia dar-lhes sequer uma recepção formal.

Era incomum à seres do profundo abismo, cortesia e benquerença;

Então haveria de ser importante. Quem diria, aquilo que nos é raro, lhes pareceria tão banal?

(Epitáfio)

A ágora dos olhos d'um calcário batido; e na face, o decalque dos anos,

Faziam emergir no semblante, os famintos leões nascidos na jaula.

Impostura minha. Até um vago ébrio faria melhor à figura destes santos profanos.

Mas o silêncio rasgava-me as expressões. Um estrídulo velado; o Éter.

Então os vultos dançavam, rugiam, cingiam, grunhiam; e urravam!

E eu ali congelado, neurastênico e inato, nos seios da Alma-Máter.

Aos olhos das Moiras, e diante do opóbrio Ocaso, teciam e versavam.

O Silêncio calou-se, e a voz permaneceu: - Contemplem ao mártir, o descanso.

Aos homens é fácil serdes vós as vítimas, mas tu não o foste, foste o próprio Judas!

Da tua esplendorosa impotência sucumbiste. Então despe-te! E faça de teu suor, ópio-incenso.

O relicário de sonho, em que me escondi por estes séculos todos, por fim se rompeu.

Tornando aurora-celeste o contorno de meus pedaços, à luz da Lua oculta.

Das entranhas do Íntimo, surgiu-me um estranho íntimo, que se dizia verdadeiro Eu;

Mas aqui, não havia sequer tempo, e a dicotomia dos homens; mera voz inculta.

Num turbilhão perene, o Verbo se fez carne. Um Último sem primeiro.

O pecado primordial, minha heresia única; a Revelação.

Indiferença Una n'um êxtase vazio. Ecoava no Nada; o retorno do Barqueiro.

Um peregrino nunca pôde conversar com o vento. Então me vi sozinho;

Denso e instável. Ausência tal que deforma, e dá forma a total Ausência.

Não havia luz no fim do túnel, mas havia som. Sinfonia de mau caminho.

Era um reencontro, memória de pequenino. Meu velho sino; a Inocência.

Resolução de todos os infinitos dilemas: a vida é um mero vício;

Ciclo estático, constante estado de instante. Frívolo resumo do não Ser.

Resguardo um sentido no Fim. Mas a Morte era apenas um início…

[…]

Enfim. Sem fim…

Autor: Hernâni Arriscado - Sino da Liberdade: Um Ditirambo aos Pequenos Homens

Hernán I de Ariscadian
Enviado por Hernán I de Ariscadian em 03/07/2016
Código do texto: T5686002
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