A VISITADORA

A morte me visita em todos os meus dias.

e deixa-se estar pairando nas sombras.

Eu a abandono, em espreita, para lhe medir melhor os passos.

Sinto minh´ora chegada, nesta sezão de maleita.

A morte, como ninfa apaixonada

insistente e mordaz na arte

vem na manhã, como pomba, à noite, corvo,

crocitando a minha sorte.

Acompanha-me servil por toda parte.

Faço que não a vejo. Também, não lhe digo o nome.

Mundana do centro, passando bem rente

de mim, sussurra-me ao ouvido

a propor-me um bailado indecente e insone.

Às vezes, lentamente, outras vezes, nem tanto

toma-me pela mão e com todo o espanto

deixo que me conduza na dança leve da desintegração.

Sei que na hora certa se irão as idéias

concatenadas, as poesias declamadas

ir-se-ão os afetos esculpidos, também,

as terrenas coisas e as fantasmagorias celestes.

Não mais belezas para revisitar.

Não mais bons livros para reler, boas safras para beber.

Não mais mar. Não mais sexo. Nem mais prazer.

Morrer é uma coisa tão fria.

Ah..também, não mais graças

para alcançar, por intersecção de Maria.

Tudo se esvai. As importâncias e o desinteresse.

O poder e a filosofia.

Tudo se esvai como que pelo ralo da pia.

Então, deixo-me flertar com a dama dos sepulcros

que chega na noite fria, com a maciez de nuvem

de sua tez tão alva, de palidez mortuária.

Seduz-me a sua mórbida presença e letargia

que brilha na noite branca e solitária.

E uma morte apenas não basta

como também não basta um só amor.

Quantas mortes pela vida? Quantos, os amores circundantes,

zumbis, permanências insepultas?

Dos lábios da morte, eu quero a prova dos tremores frios

fremidos nas profundezas da profanação.

Quero, por fim, la petite mort

o eterno gozo que virá com o prazer do ultimo suspiro,

fundo, breve, mas, parteiro da renovação.

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 11/07/2007
Código do texto: T560805