MASSA CINZENTA

Quando passei pelo meu cadáver

Logo vi que não era eu!

Aquela serenidade pétrea

De natureza cérea

Inconclusiva, inerte.

Apnéia perpetuada

Robotizada...

Diante de tanta vontade.

Coração paralisado,

-depois de hibernado-

Pelo tédio de não mais arriscar

pulsar irrealidades em centelhas...

Desistência complacente, justo eu?

Ah não, aquilo não era eu!

Não poderia ser eu, ali

Num destino tão desatinado

De enredo sequer projetado

Algemado!

Eu nunca me renderia tão fácil...

Para fora de mim

Tão passivamente

Ridiculamente até!

Obedientemente...

Não poderia ser eu.

Tão passivo ser noutra massa cinzenta

Que não a do pensamento ativado

Pela neurotransmissão de vida.

Sina nada presumível essa

Desistir de sempre se ousar ser vivo.

Não, quando toquei o meu cadáver

Logo me chacoalhei,

Àquela apatia rígida, concisa

Sonolenta, irrespondível

Manipulável e rendida na pedra fria...

E a plena certeza: aquilo não era eu!

Nenhuma alma de ser querente

Se assentiria apenas matéria morta,

Dum sentido tão decadente.

Quando me voltei ao meu cadáver

Logo ressenti: não, aquilo ali não era eu...

Travei a boca , cerrei os dentes, desespero.

"Acorda, olha que patético!"

me gritei.

Foi quando de repente

A me ouvir,

Não resignadamente...

Abri os olhos e

Despertei de mim.