O CASTELO DOS MEUS SONHOS
 

Eu sonhei com um imenso castelo. As imagens deste sonho ficaram muito nitidamente presas à minha memória quando acordei. Era um lugar imenso, lindo, e também terrível. Minha mãe, meu pai  e minhas irmãs estavam comigo. Quando acordei, não consegui mais dormir, com medo de perder as imagens deste sonho, e então levantei-me e anotei-as aqui. O sonho deu-se exatamente como se segue:

 


Eu sonhei que minha mãe
Havia herdado um castelo
Que era cheio de magia,
Tão imenso quanto belo
E era eu a responsável
Por guia-la, em um só dia,
Levando-a a conhecer
A sua herança tardia.
 
À direita da entrada
Escondido atrás de um muro
Encontramos um casebre
Velho, feio e obscuro...
As paredes amarelas
Sujas, tristes e mofadas,
E do teto a umidade
Sobre tudo gotejava.
 
E eu disse a minha mãe:
“Nós podemos reformá-lo,
Quem sabe, redecorar,
Mudar a cor, e trocar
Toda essa velha mobília
Por alguma mais bonita!”
 
Minha mãe, impaciente,
Respondeu-me, erguendo a voz:
“Nós herdamos um castelo,
Tão imenso e luxuoso,
E tu ficas a cismar
Sobre um casebre amarelo?
Feche a porta, passe a trave,
E vamos embora já,
Pois o dia já avança
E a tarde há de chegar!”
 
E a minha mãe me levou
Pela mão, até um jardim
Seguiam-nos minhas irmãs
Num silêncio extasiado.
Foi quando vi, no gramado,
O meu pai, feliz, sentado
A mão no rosto das flores,
A cuidar do seu legado.
 
Havia terra entre as unhas,
E por trás daquela cena
Uma linda casa branca
Rodeada de açucenas.
As pessoas passeavam
Entre as flores do jardim
E ao meu pai, nem notavam,
Mas ele estava feliz:
Sabia-se admirado
Através da sua obra
Naquele lugar encantado.
Seguimos em frente, deixando
No ar, um beijo enviado
E pisamos devagar
A fim de não perturbar
Aquele lindo cenário.
 
Chegamos a um salão
Tão enorme, que os passos
Ecoavam, e ficavam
Presos entre as altas paredes
E o teto, que o guardava.
As cadeiras e as mesas
Pareciam pequeninas
Naquele imenso salão
De grandes janelas fechadas;
E em volta, havia portas
De imponentes batentes,
E eu fui seguindo à frente
Minha mãe e as irmãs
A seguirem logo atrás.
 
Nós chegamos a um quarto
Onde havia quatro camas
Já desfeitas; os lençóis
Eram todos de cetim
De um bege nacarado,
E as cobertas, de brocados,
Os travesseiros, bordados
Por delicados motivos.
As paredes, se perdiam
Em um alto pé-direito,
Nas janelas, as sacadas
Ornadas de boungainvilles
E de rosas perfumadas.
Perguntei à minha mãe
Onde estavam as crianças
Que as camas tinham desfeito.
 
E ela me respondeu:
“As crianças já cresceram
E deixaram este quarto,
Elas nunca mais voltaram,
Mas deixaram nas paredes
Os seus risos, que ecoam;
Levaram sonhos consigo
Mas outros, elas deixaram
Para sempre abandonados.”
 
Minha mãe seguiu em frente,
E nós quatro a seguíamos;
Era ela quem guiava,
Embora tivesse eu
Sido, entre nós, a escolhida
Para mostrar, em só um dia,
Os salões de tal castelo
Que a mãe havia herdado.
 
Sendo assim, adiantei-me
E abri uma das portas
Que mostrava um corredor
Longo, escuro, iluminado
Fracamente por archotes
Presos às negras paredes;
Quis voltar, mas minha mãe
A puxar-me pela mão
Obrigou-me a adentrar
O cômodo por mim escolhido.
Seguimos, amedrontadas,
De mãos dadas, encolhidas,
Minha mãe a nos guiar
Pelo insólito caminho.
 
Achei que não sairíamos
Jamais, de tal armadilha,
Mas minha mãe me falou:
“Coragem, querida filha!
Estes corredores negros
Existem, não é à toa,
Ao deixá-lo, sentiremos
O quanto a vida ainda é boa.”
 
Percebi, ao caminhar,
Que quanto mais avançava
Por dentro da escuridão,
Mais forte eu me tornava.
Até que ao final do túnel,
Os meus olhos se feriram
Com uma luz que brilhava.
 
Olhei por cima do ombro,
E uma orquestra tocava
Por sobre uma plataforma
De luz, que muito brilhava.
Minha mãe aconselhou:
“Fechem bem os olhos, filhas,
Escutem com atenção
A música que extasia
E nos leva pela mão.”
E assim, nós despertamos
Sob um céu azul de verão
Onde o tempo mal passava,
E as linhas marcadas nas palmas
Não queriam dizer nada.
 
Quando abrimos nossos olhos
Corações extasiados
De alegria e esperança,
Não havia mais orquestra
E o clamor daquela festa
Era só uma lembrança.
Estávamos em uma sala
Com paredes de espelhos
E nela, o tempo passara
Sem piedade ou desvelo...
 
A tarde já avançava
Projetando suas sombras
Nas paredes do castelo.
Minha mãe ajoelhou-se
Perto de umas florezinhas
E passou a elogiar
A beleza que elas tinham.
Impaciente, gritei:
“Vamos, mãe, que a tarde cai,
E há tanta coisa a ser vista,
Tantos quartos, tantas salas,
Temos que continuar!”
 
Minha mãe ergueu os olhos,
E senti-me envergonhada
Com o olhar que ela tinha,
E que em silêncio, pousou
Por sobre a minha arrogância.
Deu-me a mão, e então chegamos
A uma sala de tesouros
Onde havia coisas lindas,
Muita prata, muito ouro,
Antiguidades, pinturas,
Esculturas, joias, livros,
Mobília cara e antiga,
Encrustados na madeira
Brasões de antigas famílias.
 
Os meus olhos se encheram
(E também meu coração)
Das belezas que ali estavam.
Por nós, o tempo passava,
Em ruidosa ventania;
Perguntei a minha mãe
Se ela se importaria
Caso eu voltasse mais tarde
Para escolher, entre as coisas,
As que mais me serviriam.
 
E ela riu, em gargalhada,
(Parecia tão cansada...):
“Minha filha, não notaste
Que a viagem que fazemos
Por este castelo herdado
Por mim, tão tardiamente,
Não tem volta, é só em frente?
Nada poderás levar,
Consigo, deste castelo...
A não ser aquela música,
A não ser a suavidade
Daquelas camas desfeitas,
E o perfume das flores
Que o seu pai cultivou,
Ou o prazer da viagem
Que na memória, ficou...”
 
E assim, ela guiou-nos
Para fora do castelo,
E sobre uma ponte, parou
Para olhar o entardecer;
Gritei: “Mãe, vamos voltar,
Ainda há tanto a se ver!
Existe um salão de festas,
E um outro, que é feito
Todo em mármore importado!
Existe um pano bordado
Que esconde tal banquete
Tão bom, e também tão farto,
Que matará para sempre
Toda a fome desse mundo!
Existe um rio bonito,
Azul, e muito profundo,
Onde o vento agita as águas
E é tão bonito de ver,
As sereias cantam lindas
Cantigas de adormecer...”
 
E minha mãe respondeu:
“Nós passamos por algumas
Destas salas, que tu falas,
Mas teus olhos distraídos
Nem sequer as perceberam...
E aquilo que ficou
Para trás, já feneceu
No mar profundo e salgado
Da tua desilusão.
Não há volta, e as pegadas
Apagaram-se do chão.”
Sobre a ponte, eu contemplei
À direita, e o mar beijava
Uma praia longa e fria,
E os barcos sob a ponte
Abandonados, diziam
Da sua melancolia...
E do lado esquerdo, havia
Uma cidade cercada
Por uma densa floresta
E um céu avermelhado
Por onde o sol deslizava
E devagar, se escondia...
 
E eu quis fotografar
A beleza que eu via,
Mas minha mãe não deixou,
E disse: “A fotografia
Mais bonita, é a que a alma
Guarda e revela, pois
Ela não desbotará,
E tu não perderás tempo
Tentando reter o tempo
Que jamais há de ficar.”
 
Chegamos a um deserto,
Onde a minha bisavó
Sentada sobre uma pedra,
Coberta de sal e pó
Olhava o sol que morria.
Tinha as mãos entrelaçadas
Em uma prece infinita,
Tinha os olhos marejados
E cabeça coberta
Por um véu de agonia.
 
Pensei em falar com ela,
Acenar, anunciando
A ela, a nossa presença.
Mas minha mãe me calou,
Nos contando o que ela via:
E ela disse: “Minha avó
Morreu de melancolia,
Passou a vida pensando
Naquilo que ela não tinha.
Veio a tarde, veio a noite,
E a porta do castelo
Que ela herdara, se fechou,
E assim ela ficou
Sempre tão aborrecida
Sobre aquilo que perdeu,
Que nem sequer se deu conta
Que há muito, já morreu.”
 
E finalmente, o sol posto
Cedeu lugar às estrelas...
Minha mãe se despediu,
E tão tristes, nós ficamos
Sem saber, se algum dia,
Voltaríamos a vê-la.

Ao fecharmos nossos olhos
Antes do último adeus,
Nós revemos o jardim:
Nossa mãe e nosso pai
Caminhavam por ali
Entre o perfume das flores
Que eles tinham plantado...
Em volta deles, corriam
Uma menininha fada
Um menininho encantado.




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 25/03/2016
Reeditado em 28/03/2016
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