Fúria

Meus dedos sangram.

Estrangulei minha alma.

Uma nódoa ficou.

Uma nódoa no espelho.

Não sou eu.

Vês?

É o meu rosto nesta nódoa.

Eu fico irreconhecível a cada pulsar.

Vês meus ossos sob a pele?

Vão derreter como a cera de uma vela

E serei ainda mais irreconhecível.

Meus dedos sangram

E eu tento agarrar qualquer coisa que não está aqui

Eu tento me segurar

Eu tento não me deixar ir quando chamam

E me chamam o tempo todo

E eu tenho que ir

E então me torno duas

E não sei qual devo ser.

Meus dedos sangram porque arranquei minhas unhas

Porque arranquei minha pele

Porque arranquei o meu rosto

E eram meu único existir.

Eles me chamam

Dentro de mim.

Vês?

As palavras fraquejam

Diluem-se na insignificância disso tudo.

A palavra é inútil agora

Meu corpo também é inútil

Minha mente é inútil

Vês?

É vazio.

Um colapso.

Um tremor de terra ininterrupto.

É vazio e irreversível.

Escreverei com o sangue dos meus dedos

A biografia que não tive.

Sem palavra alguma

Mas com a matéria do corpo que tive

E que virou rastros de uma estrada que fui.

Porque é preciso não esquecer do próprio nome e do rosto e da história.

É preciso escrever antes que tudo se apague da memória.

É preciso me inventar a cada momento.

É preciso juntar a pele, os ossos e o sangue e construir um novo corpo.

Não sou eu através do espelho.

É vazio.

Eu estou adiante.

Muito além.

O espelho é um rastro.

Eu estou em outra estrada.

Samantha de Sousa
Enviado por Samantha de Sousa em 13/12/2015
Código do texto: T5479290
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