O Suspiro do Último Silêncio

A rua dos normalizados e ensandecidos está grávida de febris silêncios: silêncios que bebem as volúpias aspergidas pelos perfumes dos lírios;

Silêncios que afogam os arrependimentos dos crimes e dos sacrifícios;

Silêncios agonizantes que desabrocham as madrugadas agasalhadas com as seivas de tuas lágrimas que a nada curam e nem nos libertam;

Silêncios que apunhalam as vísceras de nossos sonhos edipianos;

Ali! Bem no canto, jaz a dormir o silêncio de nossas guerras interiores?

E como é triste as ruínas pecaminosas que florescem dos subterrâneos das sinagogas, da igrejas, e de todos os templos da cidade e do próprio corpo;

E como é triste o último suspiro em que os crepúsculos dos olhos enfermos e moribundos almejam balbuciar uma súplica, um delírio;

E como é triste os prantos suicidas ou otimistas das mães, das filhas, da empregada a varrer as salas, dos irmãos a jogarem pôquer na cozinha;

E como é triste amanhecer com a mesma noite homicida e pusilânime que já está enraizada nos destroços da alma humana,

E ninguém ouve o gorjeio dos pássaros nos telhados cantando nossas aflições tão franciscanas,

Ninguém ouve o gado que muge o sereno vácuo de nossos corações,

Ninguém ouve os galos que clarinam a aurora ebúrnea de nossas traições,

Ninguém ouve ninguém. Ninguém ouve nada, e todos falam e falam.

E vi em cada estrada um assassino e uma igreja, e dentro de cada igreja e dos assassinos caminhavam inúmeras estradas;

E vi a embriaguez do vento a tropeçar e cair nos rios secos de nossas infâncias;

E vi a castidade da infância desfolhada pela navalha de nosso egoísmo sobre os musgos murchos de nossos esquecimentos propositais;

E vi as brumas do esquecimento engolirem todos os gritos de tristeza e de alegria para dentro de um só gemido lívido.

O dia já acorda com náuseas, meio desequilibrado e enojado:

As roupas se vestem pela manhã com ausências de si já enodoadas,

As casas se levantam da cama com os mesmos rostos já cansadas,

Os carros saem de garagens completamente enferrujadas,

A estéril chuva hipnótica jorra no olhar de cada canto e de todas as coisas,

Mas o silente riso casto de um anjo esquartejado

Brada nas flâmulas surdas de nossas consciências equilibradamente vertiginosas.

Todavia o pecado estará sempre no estômago dos tabernáculos, das mesas, dos copos, dos sapatos e das ilusórias indulgências,

E as pétalas da Dor nostalgizam as ruínas e os buracos de tuas paixões,

Enquanto os canaviais de tua piedade são poeiras heréticas escarradas pelo fogo direto nas retinas daltônicas de Deus;

E a vida suplica por um orvalho prosaico de cicuta,

E a demência rotativa do mundo clama por um mísero orvalho de cicuta;

E a própria noite, segurando pelos cabelos a cabeça da Luz, ingere avidamente todos os silêncios, todas as ausências;

A Noite ingere todos os eternos sonos isentos de sonhos e de alucinações que nos derrama a hóstia da esperança em nossas mãos exaustas e crispadas;

A Noite a ingerir todas as plácidas aniquilações absolutas ao beber o réquiem letal em que a cicuta sangra com lágrimas na própria taça existente em todos os lugares, em todas as sombras, em todos os seres.

E, em um só gole,

A vida se desacorda infinitamente de todos onirismos e esperanças,

E debaixo do túmulo auto-embalsamado do sétimo dia do descanso de Deus há o despojar do suspiro do último silêncio,

E tudo e todos sussurram em um único grunhido: “ Está consumado”.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 17/07/2015
Reeditado em 18/07/2015
Código do texto: T5314257
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