Lutas e Esquecimentos
Dói acreditar sem realmente saber!
Dói enxergar quando tudo são gavetas saturadas de ausências;
Dói viver quando a vida só são cinzas e fumaça;
Dói sonhar as quimeras de quem nunca poderemos ser,
Dói caminhar entre ruas e fronteiras que supomos conhecer,
Dói a dor indolor de querer sentir alguma dor que em nada expia o ser.
Há tanto amor nas mãos dos que edificaram o ódio em cada lugar,
Há tanto amparo nos braços do desespero,
Há tanta sabedoria que goteja das seringas da insanidade,
Há tanta fé nos ópios da ciência e de qualquer iluminismo humano;
Há tanto conhecimento enterrado nesses corações
Tão estranhos a si próprios.
O som do piano em teus olhos infrutíferos desistiu de cantar,
E há uma melodia hibernal que dança ao redor do lírios olvidados_
Os ancestrais lírios que inebriam tuas mãos firmes e indecisas;
E as orquídeas que sangram no silêncio dos teus gestos vulgares,
Mas os espinhos das rosas de tuas emoções e de tuas ações
Envenenam cada interação que buscas represar entre tuas mãos.
Há tanta divindade nas chacinas históricas deletadas do catálogo da verdade;
Há tantas lágrimas almejadas pela íris da alegria,
Há tanta alegria desovada no útero de tuas lágrimas por ti desprezadas;
Mas a porta se fecha em um mundo onde nunca houve portas,
E a chave da tua liberdade se afogou nas fechaduras do desengano,
E o Desengano sopra uma brisa torrencial de certezas em teus ouvidos,
E as Certezas deliram no porão de tuas retinas e de tua alma platônica.
E é dentro da covardia que boia a imagem de nossa coragem,
E é dentro da miséria social que acaricio o pranto de meus semelhantes;
E é dentro da loucura que respinga pelas paredes uma nódoa de sensatez;
E é dentro da guerra que vendo as armas, os erros e os planos de Deus e de todos os governantes;
E é dentro do Hades que empresto meu ombro a todos os assassinos,
E oferto por um momento meu coração para as lágrimas ininteligíveis de Lúcifer;
E é dentro de meu dentro que me vejo mais expelido para as ruas,
Para os bairros, para as brigas domésticas, para o catolicismo dos comércios, para cada medo rejeitado pelos falsos escribas da História.
Senhor! Há tanta redenção no fogo incompreensível de teus pecados,
Há tantos pecados nas doutrinas mais puras e dogmatizadas;
Há dominós de mentiras na mesa onde a verdade cheira cocaína,
E a verdade nasceu nas tumbas embalsamadas de tua ontologia irreal,
E a Ilusão acorda o coração de cada aurora,
A Ilusão banha teu corpo com mirras e ornamentos,
A Ilusão ainda está quente em teu café matinal e em teus diálogos,
A Ilusão que ecoa em teus sapatos, em tuas preocupações, em teu ofício;
A Ilusão de tuas orações e de tua medicina diária.
Vede: a Ilusão é a mãe da Morte e da Vida.
Os olhos da coruja me sussurram um segredo e meu corpo se levanta:
O universo a dormir dentro de meu coração pulsante e prosaico,
Ando pela casa: minhas mãos já desconhecem as salas, os fardos,
As palavras e o chão dessa terra de covardes e de leões mortos;
A impiedade se embriaga na seiva de nossos medos,
A idolatria se embriaga na ambição ilusória de nossas concupiscências;
A monotonia se embriaga de tédios em teus afazeres, em teu suor aviltado, em tuas orgias tão castas e estimuladas pela tua imaginação,
E o mundo é um demiurgo ébrio e sadista cavando as nossas sepulturas.
Lá, veja mais e mais adiante, meu companheiro de cela que não existe:
Esse é o oculto caminho que peregrina inertemente dentro de ti;
Essa é a rodovia onde teus dias e anos foram pichados e fuzilados;
Essa é a ponte em que o amor separa a circulação e o trânsito das almas,
Essa é a senda por onde se esfaquearam e se cegaram as tuas crenças;
Esse é o deserto onde nasceram os teus deuses que te passaram a perna;
Esse é o paraíso onde teus infernos intrínsecos jamais emudecerão.
Mas ainda há tanta tristeza nos carnavais e nos blocos de teu ser,
As folhas do outono são teus sonhos pisoteados nas avenidas, nos metrôs, nos senados, nas escolas, nas esquinas que espreitam nossa imoralidade;
E há tantas folhas, avenidas e lares secos e vazios nos oráculos
De teu tempo vivido e desperdiçado no livro hermético dos pensamentos.
E a Luz da Aurora beija sedentamente os lábios do Crepúsculo
De teus dias talhados de pedra, de barro, de átomos, de equívocos,
E de tantas lutas e esquecimentos.