O Último A-deus

Diálogos cadavéricos que não cessam de se comentar durante as refeições,

A bela ceia natalina a crucificar nosso Cristo comercializado e cristianizado,

Nossa vida é um corvo engaiolado com as asas cortadas,

Com os horizontes apagados, com os céus estuprados nessas senzalas do cotidiano;

As crianças com seus jogos eletrônicos e com suas mentiras santas e profanas;

Fluoxetina nas pedras das ruas e nas paradas diante dos semáforos,

Morfinas nos banheiros domésticos e públicos,

Orações e preces em templos caiados a ceifar inúmeras mentes.

Os mortos continuam a viver sem paz enquanto seus corpos são devorados,

O inferno ardente de tanto ver e pensar além do que o coração possa tocar e compreender,

A velhice, com suas bengalas e dores, em cada porta aberta e depois fechada;

Pessoas em campos de concentração sociais e requintados a trabalhar e a sobreviver com seus ternos, com seus conhecimentos, com suas retóricas.

O Medo da morte é a engrenagem que a tudo comanda, a tudo movimenta, a tudo gera e inventa, a tudo engana e destrói...

E o amor é outro analgésico inútil que se digere três vezes ao dia sem um copo com água;

O amor é mais um passatempo no jogo cego e desumano de se existir;

O amor é o sol imolado dos crédulos, dos poetas, das redes sociais e dos estúpidos.

Perdoar uma vida não desfrutada é impossível,

Perdoar uma vida tão bem usufruída é vaidade da carne e do vão pensamento;

Perdoar nossos pecados com sangue ou palavras não muda nada,

Pois a vida não perdoa ninguém nos campos de batalha do nosso cotidiano imperceptível.

A mão seca e vazia abre mecanicamente a geladeira saturada com tantos alimentos;

Futebol na televisão, longas e divertidas conversas com os amigos nas indústrias do entretenimento,

E a Esperança é um protozoário letal a corroer nossos olhos ambiciosos,

Somos apenas soldados substituíveis no tabuleiro aleatório da vida,

Um Deus de amor que cria apenas dois caminhos capitalistas de redenção,

_ Apague depressa essa luz e vá dormir sem pensar.

Pais espancadores com suas esposas com terços na mão e antidepressivos nos intestinos,

Filhos abandonados nas desilusões de seus próprios quartos e diversões;

Os Eixos da Vida estão quebrados e são inconvertíveis;

As bússolas da Felicidade foram queimadas e enterradas no cemitério do espírito humano.

Enquanto uma pequena lágrima despenca lentamente de uma flor perante a indiferença do universo e dos homens.

O último horizonte do mar marejado em nossas retinas decrépitas,

O último abraço no irmão, no amigo, na sua própria vida catolizada;

O último mergulho no lamaçal de absurdos da existência,

O último beijo nos lábios ilusórios do ser ou do objeto amado ardentemente;

A última ideia não pensada e que dança nos ciclos de destruição e criação nas estações psicóticas de Eros e Thanatos.

Nada de cartas, nada de despedidas, nada de remorsos:

As cicatrizes nos espelhos de teu ser jamais serão expiadas;

Um gole de uísque e um tiro na têmpora da própria cabeça e do mundo,

E o Silêncio e o Nada trovejam no altar do sofrimento e do caos que fluem em tuas veias, em teu estômago, em tuas caminhadas, em teus amores;

Um último tiro, e teu corpo esmagado e engolido pelas mandíbulas famintas do Esquecimento.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 18/12/2014
Reeditado em 18/12/2014
Código do texto: T5073625
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