Eu Não Piso Em Folhas Mortas*

Eu olho por onde ando

Onde a vida passa eu passo

Meus caminhos trilhados marcam páginas em minha vida

O mundo é meu coração (cheio de dor, prazer, emoção)

Há crianças no jardim de meu castelo de vidro

feito de ferro

de carne, de osso e de sonhos

eu me alimento de memórias trituradas em Cetim

eu me movimento em águas paradas perfumadas

coloridas pelo sangue de rosas mortas

eu sinto o futuro morrer antes

eu sou o passado

passado certo por linhas tortas

eu corro pelos corredores onde correm os prazeres e as dores

desse e de outros mundos

eu sou você no espelho

eu sou o reflexo da multidão muda

eu sou metade alma

metade corpo

eu sou racionalmente louco

eu não muito nem muito pouco

eu sou o resultado do que tenho feito com o que vida tem feito de mim

e eu não sou -- eu estou sendo

eu não sou poeta

nem quero ser

eu canto a estranha ilusão dessa vida em dívidas

eu como o meu ser no meu café da manhã

eu canto cada canto sangrento do mundoente

eu sou sentimento

sou isso

sou aquilo

sou gente

eu tenho passado por várias portas

eu subirei pelas escadas da escuridão

portas pintadas com o sonho de estudantes

eu não piso em folhas mortas --

guardo-as em cada bolso de meu coração

para oferecer como diamantes

a quem puder ter me oferecido um espaço

em sua morada no universo

eu não piso em folhas mortas --

prefiro singrar os mares cósmicos do espírito humano

descobrir e aprender com os novos significados de velhas histórias

e seguir sempre pelos caminhos pelos quais eu ainda não conheço

eu não piso em folhas mortas --

estudo-as na escola da vida

lições imortais

que aprendo com artistas, atores, mendigos, bufões e animais

e devo continuar

NOTA

*1. Para quem assistiu a "De volta às aulas", com Rodney Dangerfield e Sally Kellerman, haverá de lembrar-se do momento em que ela recita um poema cujo autor eu não me recordo agora.

Para quem sentiu o que é não pisar em folhas mortas (escolha a metáfora que melhor explique isso a ti, conforme seu gosto).

Para todos -- e para ninguém.

2. O título deste meu poema remete a "I ain't supertitious", de Willie Dixon. E, em sua extensão, também me faz lembrar de alguns poemas de W. Szymborska (a minha poeta preferida) e do "Folhas na relva", de Walt Whitman.