Ao Que Vim

Vim com as aves migradoras,

Voando com a Primavera,

Sequioso de ternuras,

Pousei firme terra.

Vim com a chuva debutante,

Dum amanhecer incerto,

Caio em gotas titubeante,

Logo por aqui ao perto.

Vim com um embalar de mãe,

Dando ao rebento guarida,

E a jamais ninguém,

Se limpou essa ferida.

Vim com as estrelas do céu,

Cadentes numa noite de verão,

Longínqua miragem permaneceu,

Iluminando-me todo ao serão.

Vim desfeito em perfídia,

Pelo meu obtuso pesar,

Anseio pelo fim do dia,

Recolhendo-me ao deitar.

Vim com as sete pragas,

Sem sequer pestanejar,

Profanei as cinco chagas,

Quebrei ao cair do altar.

Vim no choro ateado,

Pelas tristezas pesadas,

De mágoas inundado,

E promessas adiadas.

Vim da terra exumado,

Cantar-vos a vossa sina,

De terno desalmado,

Mas nada se vaticina.

Vim com a noite brusca,

Que se instalou em mim,

Longe de tudo ofusca,

Clamando pelo fim.

Vim uma vez contigo,

Deixaste-me feliz,

Deste-me um beijo,

Que ainda não desfiz.

Vim com as ondas do mar,

Vagarosas no seu jeito,

No seu leve deleitar,

Esmero de tão perfeito.

Vim com o vento norte,

Suspirado de boas-novas,

Desfraldei velas de porte,

De míticas caravelas alvas.

Vim raio de sol acolhedor,

Trazendo vida a granel,

O quadro tão enternecedor,

Criado sob o seu pincel.

Vim com as mãos vacilantes,

Para sempre te aconchegar,

Nos longos serões dançantes,

Em que o amor viu despertar.

Vim com a saudade tua,

Julguei sucumbir, definhar,

O sonho jurado sob a lua,

Para serenos juntos recriar.

Vim com as doze badaladas,

Encerrar mais um dia de dor,

Deitar-me debaixo das arcadas,

No meu desgosto apaziguador.

Lisboa, 9-10-2013

Paulo Gil
Enviado por Paulo Gil em 15/08/2014
Código do texto: T4923797
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.