Ao Que Vim
Vim com as aves migradoras,
Voando com a Primavera,
Sequioso de ternuras,
Pousei firme terra.
Vim com a chuva debutante,
Dum amanhecer incerto,
Caio em gotas titubeante,
Logo por aqui ao perto.
Vim com um embalar de mãe,
Dando ao rebento guarida,
E a jamais ninguém,
Se limpou essa ferida.
Vim com as estrelas do céu,
Cadentes numa noite de verão,
Longínqua miragem permaneceu,
Iluminando-me todo ao serão.
Vim desfeito em perfídia,
Pelo meu obtuso pesar,
Anseio pelo fim do dia,
Recolhendo-me ao deitar.
Vim com as sete pragas,
Sem sequer pestanejar,
Profanei as cinco chagas,
Quebrei ao cair do altar.
Vim no choro ateado,
Pelas tristezas pesadas,
De mágoas inundado,
E promessas adiadas.
Vim da terra exumado,
Cantar-vos a vossa sina,
De terno desalmado,
Mas nada se vaticina.
Vim com a noite brusca,
Que se instalou em mim,
Longe de tudo ofusca,
Clamando pelo fim.
Vim uma vez contigo,
Deixaste-me feliz,
Deste-me um beijo,
Que ainda não desfiz.
Vim com as ondas do mar,
Vagarosas no seu jeito,
No seu leve deleitar,
Esmero de tão perfeito.
Vim com o vento norte,
Suspirado de boas-novas,
Desfraldei velas de porte,
De míticas caravelas alvas.
Vim raio de sol acolhedor,
Trazendo vida a granel,
O quadro tão enternecedor,
Criado sob o seu pincel.
Vim com as mãos vacilantes,
Para sempre te aconchegar,
Nos longos serões dançantes,
Em que o amor viu despertar.
Vim com a saudade tua,
Julguei sucumbir, definhar,
O sonho jurado sob a lua,
Para serenos juntos recriar.
Vim com as doze badaladas,
Encerrar mais um dia de dor,
Deitar-me debaixo das arcadas,
No meu desgosto apaziguador.
Lisboa, 9-10-2013