- maghus -

I

Porque te fiz de fogo

A sós e sândalos

A minha presença.

Te cingi o manto

A quimera do teu rosto

Tua jornada leve

Tua água no ocre

Teu rosto de prata

Tua cara crestada

De diamantes.

Te cingi em linhas

Faros

Formol.

Tua cara. De fogo.

II

E seriam as sombras

(Dois perfis ausentes)

Nossas, as despedidas?

Seriam nossos passos

- No leito azul das águas -

Passos de abandono

Risco profundo

Adeus perpétuo

Nas caminhadas?

Seriam as sombras

As manhãs tristes

Tecidas a bordo

De nossas vidas?

Seriam promessas

Carícias inválidas

Tristezas esparsas

Rosa emurchecida

Raposa à espreita

O todo esquecimento?

Seria minha alma

Na tua alma funda

A sombra esquálida

De dois amores?

Responde a Sombra:

"- Sou a luz que te pensou

Queimada dos teus séculos."

III

Um vazio no nada.

Uma ideia estrangulada

Entre dois rostos

Examina

A Despedida.

Compreende intuitiva

A equivalência absurda

Do adeus.

Veste-se de preta

Apetece cambraias

Toma um guarda-chuva

Duas ou três rosas

E sai a visitar

Uma necrópole.

De pá em punho

Cava

Desfere na terra

Funduras largas.

" - Por que, Senhora, a cova?"

" - É onde depositarei o meu corpo

No amanhã das ausências."

"- E as rosas, Senhora?"

" - Comigo enterradas

Para o florescer rubro

Das hastes e espinhos."

IV

És um prisma translúcido.

Artífice de muitas luzes

Na imanência geométrica.

Avançando pontas e arestas

Em direção à pureza

No côncavo cínico da ideia.

És sombra sobre a mesa.

Curvatura-negra rarefeita

De mágicas luzes e clarezas.

Abstém-te do lúcido sensível

E paira imóvel na escureza.

Tateio os flancos. Sopro e álamo

E subida. Um verdor e réstia

No precipício. Nomenclatura exata

E diamantada. Friso e despudor

A passear nas tempestades.

Exerce teu poder de ser sangue

Na rasura lisérgica do coração.

Espesso, escorre o visgo

Das mínima entranhas

E vives no seio de uma virgem.

Linha d'água. Cíclica luzente

A correr plenilúcida

A dormência de um sonho.

Viceja. És látego e bronze

Na montanha. Uma cobra

Escarpada de estrias

A serpentear o colorido

Destas Ilhas.

V

Dorme, afunda, deita, é sonora

E volátil. Afujenta. Comove.

Estilhaça um berço de anêmonas

Na aurora líquida de um sonho.

Dorme em seu leito subaquático

E mora enternecida nas sombras

Vive de ser boca sem ter dente

De ser verme sem ter carne

No ectoplasma de um doente.

Azul se faz mansamente

E do preto a ideia humana

Catalogando praxes

Demências

Sondando ébria o refulgente.

VI

Dona de mim, pirâmide absoluta

Na matéria de um adeus premente

Abluída de luas, a estrela dorme

No clarão de um plenilúnio.

Vastíssima, tecida, vinga

As fomes dos teus filhos

Dança o teu passo

Inaudita

E dorme reformada

Nas estofas lúcidas

Do presente.

VII

Antífona. Luz diamantífera

Comove os olhos de quem

Passa. Escuta o grito

De um menino

Imensurável

Sofregando talvez

Sua torta morada.

Línea, tísica, esfumaçada

Baça de múltiplas águas

Diluída no líquido.

Exasperada sensível

Na minha boca. Morde

Os laços do presente

Cantarola tua canção

Amolecida de sonhos

E faz da minha a renda

Volúvel dos efêmeros.

VIII

Mas a mim me foi dado te conhecer

Na intimidade, na aleluia aguada

Que é teu corpo, matéria antiquíssima.

A mim me foi dado tua mão, a unha negra,

Tua porosidade promíscua, a cerda

Dos cabelos, o preto magro do teu pelo

Tua voz na antecâmara do nada.

Te traduzo eloquência arqueada

Audição báquica

Luz cega

Num prisma fosco

De róseas amoras.

Te traduzo indecência

Vasta geografia

Do absurdo.

A mim me foi dado

Teu anel cindido.

A aliança prendada

Dos indigentes.

IX

Menina-negra, rasgo de lucidez

Pervagando o instante da cegueira.

Claustro de olhos, inútil luz

No hausto do teu nome.

Menina-negra, vórtice fincado

Na estrutura de seda

Que é meu nome.

Menina-menina, passeia em mim

A tua fome de ser um corpo

Impossibilitado deste toque

No além-matéria. Passeia.

E volta à reminiscência do crepúsculo.

X

Corpo ofendido de pássaros. Duas asas

Beijando a liberdade dos olhos voáveis.

Assim exaurido de densos voos

Caminho contente

Num céu fendido

A te encontrar

Nos imensos.

Cubro-me de pássaros. De asas.

As penas adejam levíssimas

Meu salto de infinita vontade

De te encontrar.

Nos imensos.

XI

Poeta, a sós no teu tempo de fogo

A dançar o ornamento estável

Das emboscadas. A sós, poeta,

No dito efêmero dos momentos

Tu e tua palavra rabiscam o cerne

Do meu movimento. A sós, poeta,

Canta, exila, torce o torso do verbo

E vais até o terreiro gritar o senso

Dos místicos. Vais, poeta, e solta

Tua fúria, teu encosto, tua mortalha

Sobre os frios ombros do mundo.

Tu, poeta, irmão das gélidas luas magentas.

XII

Rosa-fogo, crista acrescida de luz rubra

Entrevista de banda, a cicatriz sumarenta

Em vermelhíssimo vórtice. Rosa-fogo.

Em mim, o espinho, poeta, desta maravilha

No volátil dos dedos. Das mãos. Das mínimas

Delicadezas quando tocam e furam suaves

A pele castigada de muitas luas e sóis.

Poeta, ofereço o meu sangue às camélias brancas

Na laje imóvel destas noites imerecidas de estrelas.

O meu sangue, poeta, que friamente brota e escorre

Até a alva pétala para o eterno de tua brancura dentro.

XIII

Eram lagoas os muitos espelhos sobre a terra

Quando caminhávamos rústicos nas florestas

Eram os espelhos águas cansadas dos reflexos

Das luas, dos cegos passos até as casas de palhas.

E dentro da noite atravessávamos suspensos

A nossa imagem era um inverso afastamento

Beirando o fundo fosco dos hemisférios.

Eram lendas aquelas viagens que fazíamos

Derradeiras de passos. E aquele cavalo negro

Rondava a superfície lisa dos cristais

Como se desejasse vir à tona

Em um cubo-d'água. Tu e eu, poeta, imersos

No denso das matas, mirando o nulo

De todas as retinas. Voávamos ungulados

Dentro dos olhos daquele cavalo

Contexturados de diamantes.

XIV

Plácida sombra, meu leito demora

Nos teus lábios ramosos.

Meu sono encosta-te

Desmesurado. Sombra altiva

Dentro de um aquário

Nossas almas físicas

Entrechocam-se.

XV

Ausência de som. Luz retilínea

Nas alamedas dos corações.

Tua voz: altissonância. Rubra de vidas.

Reconstruída do sangue vitoriano

A Passarela Mística floreada

É um mosaico rosado

Para teus pés.

E vais além destes bosques

Até o diáfano transcendente.

XVI

Pensa-me demoradamente

Como quem constrói lento

Pirâmides imensas.

Pensa-me isento do teu pensar.

Dentro das sinagogas

Ausente.

No teu leito noturno

Demora o teu sonhar

No meu sono antigo

De reconquistas.

Pensa-me um rio de prata

Escorrendo lícito para o mar

Aurífero infinito.

Pensa-me conjura. Conquista.

Brasa de amor queimando

No teu peito etílico.

Ave incendiada. Intuição.

Clarão noturno se fazendo

Minha caminhada suave

No tecido do teu sonho.

Pensa-me menino, apenas.

XVII

Estrelas entrelaçadas ao clarão das tempestades.

Barcos, brumas, um sonho no meio do mar

A espreitar essa lhaneza celeste. E entra por entre

Os meios as luzes, as flores, os rosários vincados

Sobre o meu peito de cruzes. Espreito o céu:

Entrelaçadas as luzes dentro das tempestades.

XVIII

Tu. Eu. Sobre nós

As facas do desejo

Criaturas isentas

Do traçado à foice.

Arranhadas as almas

Lâminas sequazes

Se fazem cadência

Sobre o Espírito.

Amor. Morte. Luta.

E o mais das batalhas

Farejando o sangue

De nossas vidas.

Tu e eu: a carne una.

XIX

Mas que cicatriz, que excrescência

No rosado da pele. Tua. Tatuada

Nas inocências, a mão persegue

O desenho. A imagem fincada

Atada ao teu corpo - incrustada

Nas veias, nos poros, na luminescência

Dos teus flancos:

O dragão a espreitar um cemitério.

XX

No mar, soltos, tu e eu

A pervagarmos o limite

Daquelas distâncias.

Olhamo-nos: sós e puros

Voltamos tímidos os lábios

Para o beijar. Soltos.

Um beijo úmido na imensidão

Da tua boca. Do meu desejo.

De nossas vivências equóreas.

XXI

Na areia os seixos banhados pelas águas.

Meu corpo também assim deseja (de braços abertos

Olhos fechados, à beira-onda e rasura) meu corpo

Receber águas e sais. E seixos molhados. E um abismo

De suavidades marítimas, um encostar-se

De leve nas ondas. Um aflorar de essências.

E um negror a retornar aos refluxos das marés

Para o corpo granulado de pequenas purezas.

XXII

Mas eram pés de santos, de mártires e poetas

Na leveza de tantos passos, caminhadas

Em direção à luz das constelações.

Passavam além as sombras

Aves de outras épocas

Espectros úmidos

A carne lustrosa

Perímetro secreto

De um outro tempo

Longa data sem memória.

Mas os pés, esses de barros,

Buscavam o ouro da paisagem

Na brancura cega das jornadas.

XXIII

Distâncias. Átrios de metal. Luz física

Descendo das auroras

E sem tocar o chão

Te preenchendo.

Rever o teu silêncio?

Morar nessa angústia

Ou achegar-se às labaredas

Do teu carinho?

Iniciar-se apenas. Contente de alvoradas.

XXIV

Voltaremos exauridos de buscar a fonte

O regato

O palácio

A Casa

A porteira

Paisagens verdes.

Voltaremos porque voltar é necessário

Às descobertas de uma época

Em que o amor era manso gesto

Voz na varanda

O ato puro de semear

Depois colher o trigo

Brancura estendida

Nos varais.

De buscar a fonte

Afundar-se em lagoas

Espreitar cânticos

Louvores de aço

Perfumes de almíscar

Cadência lenta

Das trajetórias.

De buscar a nascente

O sopro vivo das águas

Na ausência líquida de um sonho.

Espreitar o cântico

Das funduras.

E semear sóis no peito.

XXV

Nenhuma sombra nos beirais

Daquelas origens.

Nenhum espelho de fundo

Biconcávico.

E vagas, imprecisas luzes

Toneis de tintas derramados

A colorir esses atávicos.

XXVI

O Poeta vem de longe, muito longe

Traz no peito uma cicatriz

Espadas de cristais

Longos cabelos

Pés nus

Olhos baixos

E um casaco de pelos.

Rememora tua batalha

Com palavras

Sofonias

Poemas ao vento

Sangrados da cor

Das ausências.

O Poeta vem de longe, longe

E parte para eternidade

Cindido de outras frases

Refletindo luzes

A rara medida

Dos seus versos.

XXVII

De imediato, um horizonte cego

Avermelhado de ocasos

Fruindo energias

Extasiado de noites.

Poemas, vórtices-relâmpagos

Borealismos e imagens

Bisbrilham nos intensos

Vivificam plenos

Céus e Imensos.

De imediato, o Poeta tenso

Áurico e inefável

Compõe nos sonhos

Um quadro infenso

Arabescado de orações

Corado de primaveras

Musicado de fluidos

(Violinos suspensos)

E mágico de notas

Na partitura do silêncio.

XXVIII

Os diamantes nas mãos.

O seco dessa evidência

No coração.

Um rasgo lúcido

Octovisionado

Nestas fendas.

Maciez vítrea

Planisférica

Tangente una

De cristal.

Olhos imolados

De ternuras.

XXIX

Serão longas manhãs, tardias primaveras

Ressurgindo nas acácias e begônias do jardim.

Nas varandas as pombas de pluma

Acaso distraídas

Ensaiam um pequeno voo

E se voltam para as migalhas.

Na janela, os olhos de uma moça branca

Espreitam o cavaleiro ao longe, merecida

De amores e silvestres rosas. Retalhada.

Os cabelos ao vento dançam negros

E exigem uma inocência que não existe

Porque vai longe o cavaleiro enviesado de luas.

XXX

Meninos carregados de pureza brincam distraídos

Como se o mundo fosse enfim compreendido

Por esses mesmos meninos. Dançam a eloquência

Dos instantes, refletem luzes nos olhos

E aqueles que passam enxergam

Tantos e tantos meninos-meninos

Com aquelas cordas, latas, sabugos

E outros tantos brinquedos sérios.

Os meninos tecem delicadezas sem o saber

E desgovernam o sério amor na medida

Em que inventam um novo passarinho.

XXXI

Viajam os navegantes sobre o deserto.

Tudo é planície calcinada de areia,

Secura, vastidão e miragem.

Há um estrela cintilando no céu

E um começo nômade nas caminhadas

Para o além de todos os continentes.

Caminham os navegantes

E levam uma criança nascida

Na Era de Aquários.

XXXII

Quem viverá em mim? Que plexo lustrado

Massa física diluída, pureza de antanho

Há de morar nas enervações do meu corpo

Na trama sutilizada que é minha alma

Enredo indócil e desprendido?

Que fogo, que cintilância há de beijar

O Infinito com a chaga íngreme de saltar

Às tempestades dos raios-gamas, betas

Os resíduos químicos das estrelas?

Quem viverá em mim? É tudo passagem, poeta.

Tudo cosmonisciência adstrita, dizem.

XXXIII

Ao longe a trajetória santa das Energias

Em mim. Trançados, corpo e aura

Nomenclatura dulcíssima

Vivem e purificam-se. Aprendem

Altura línea, subida cíclica

Aladas de anjos e substâncias

Ascendem às incandescências.

XXXIV

Exercício divino, tessitura plena

A difícil conquista. Arranhados.

Sangrados de batalhas e fulcros

Contendas

Elmos

Exércitos

Luares solitários

Os lobos feitos de gesso.

Ululam o sangue

De crianças. Ao longe

O exercício subjugado

Azáfama de guerra

Grito ocado

E dois cães loucos.

XXXV

Na supraleveza das sensações

Vagas e turvas as meninas

Exigindo também os senões.

Palavra, lucidez de ouro

Rama articulada

Arquitetura rubra

Dança de plumas

Fênix fulgente

Movimento alado

E meninas bailarinas

Suspensas sobre os pés

Harmonizadas de bronze.

XXXVI

Diziam-lhe de planetas no céu

Cavalos d'água galopando a duros trotes

Rios e mares, consecutivos de águas.

Diziam-lhe de homens queimados

Na meia-noite. De crianças chorando

Espantadas do riso fulvo, do fulgor

Dos incensos. E de Espíritos líquidos

Na urdidura extensa das palavras.

XXXVII

Pensemos o Infinito a grande abóboda das cores

Túneis movediços e estradas serpenteadas

De vários sorrisos. Lacunas de mármore,

Mão tocando o tenro do caminho

Sopro de partir

Cegueira de chegar

Nas montanhas de neve.

XXXVIII

Alguns pisavam nos lírios

Outros nas madressilvas

Por todos os caminhos.

Reinava a solidão tétrica

De um abismo. Apressados

Feriam as mãos nos espinhos

E choravam impuros

Comiserados de ventos.

XXXIX

Minha lucidez é antiga e impertencida.

Para além da minha ousada tentativa

De compreender a alma, transubstância

Divinizada. Trabalhando estas palavras,

Correndo em direção às claridades

Dando nós nos conceitos

Obstruindo limites

Sabenças

De um esquecer cármico

Sobre a minha crença.

XL

Vejo o instante: é finito - dá-me pena.

Conquistar o presente é impossível.

Vou adiante. Prossigo sem pensar

Nas possibilidade da morte

No torpor do coma

Na fragilidade da vida

Neste Ser perecível.

Dá pena. E aleluia gratuita.

XLI

Haverá um regato para saciar a sede?

Um rio caudaloso com águas de ouro?

Haverá alfafas, ervas curandeiras

Preparações aromáticas

Guizos e chás

Nessas ladeiras?

Não. O que há é pura magia:

Talheres de bronze para tua fome

Sangue de aves para tua sede

E águas refulgentes crispando

Tua cintura de prata.

XLII

Te construir de diamantes e luzes.

Refazer o teu rosto um embaçado

De finitas geometrias, complexo teorema.

Do teu corpo aderir os conceitos e formas

E bipartições exíguas da carne.

Da tua alma arquear o denso

Até à medida de um solário

Vertido no esquecimento.

XLIII

Imaginar suaves andorinhas

Loucas de arrulhos

Densas dentro dáguas

De mil marulhos.

Imaginar um sol nascendo

Carapaça luzente de vime

Penas plumas painas

Para teu peito perene.

Sustentar riso e desfulgor

Imanizar os olhos de foice

Na sangradura do fogo

Que te queimou a visão.

Lamber teu rosto. Tua calha de mãos.

Imaginar sangue e poema

Vestes ruidosas a balançar

No esguio suave do teu corpo.

Lamber teu rosto. Tua mão.

E sorver o desespero da tua alma.

XLIV

Era de prata a memória do outro.

De luto e quaresmeiras as sacadas

Donde olhávamos o mar, a estrada

Sozinha se descrevendo íngreme.

E castiçais pendiam

Caiam

Dos olhos.

Era um avermelhamento o meu luto

Sobre teu peito embaciado de luas.

XLV

Águas em que me deito,

Eu, a mulher agônica,

Tecida em líquida vida

A densidade dos magos.

Deito-me. Dentro

Do que me inunda:

Aquelas águas-vivas

Nascendo no peito

Com o furor dos diamantes.

Esboçadas, pontas agudas

De uma dureza nua.

Deitamo-nos.

E um silêncio submerso

Se refaz.

XLVI

Sede daquelas valas:

Apto à descoberta

Um criminoso silêncio

Encostado ao teu limite.

Tua cara terrena

(O peito suspenso)

Em andaimes

Negros.

Glebas reviradas.

Teu rosto transposto

Num sol sem máscaras.

Nítida geografia

Escoimada.

Dobrada cabeça

Sobre uns calcários.

Furor e estanca

Devorando

Peles e ossos.

No meu sonho-aurora

Crua chuva-menina

Molhando as carnes

De um corpo sem mágoas.

XLVII

Prometo-lhe meu corpo

Ungido de ervas.

Uns panos na pele

Uns bonitos olhos

Refeitos do aroma doce

Dos eucaliptos.

Prometo-lhe selênicos

Meus sonhos ausentes.

Prometo-lhe estiletes

E facas-filhas

Golpeando em nós

Mudez e Sol:

Silêncio e resplendor.

XLVIII

Deitou no capim

Sonhou a nuvem

Adormeceu no sempre

De espanto da vida.

Refez-se maga

Acendeu incensos

Rogou aos Santos

Entendimento.

Vestiu-se branca

Caminhou isenta

O insólito passo

Trespassou colinas

Repousou ao vento

Iluminada.

Voou-se. Subiu.

Movimentou-se lívida

No Espaço.

Desceu. Enegreceu

As alvas mãos

Depenando rosas

E pássaros.

Afastou-se túrgida

Do conhecimento

E morou esquálida

Na loucura

E em convento.

Sonambulou corredores

Alcançou a ave

E alada ágil

Dementou lúcida

- para perto de si -

Um inteiro Céu.

XLIX

E se vivêssemos no campo

Longe das insensatezes?

Se duplicássemos as almas

Unificássemos o sangue

Trabalhássemos poemas

Águas e Fomes

Na nossa fronte?

Silenciados demais

Em castidade santa

Preparássemos mirras

Doces-do-campo

E colhêssemos papoulas

Para o Dia de Todos as Aves?

O mundo vivendo em nós

Nos consumindo leves.

L

Onde estarei? Na luz

No Amanhã trançado de opalinas

E madrepérolas. Onde há luz e voz

Onde o ar é límpido e leve

A peneirar águas cristalinas

Em cachoeirável cadência.

No evolativo dos sonhos

Completo de Céu à Terra

Desesquecido de mágoas

No colorido da alma

Ali sentado a bordar infâncias...

Procura-me lá

A derredor de crianças

Imantado e novo

Sensível e mago.

LI

Teus olhos negros

Fundos numas águas

Claras.

Teus olhos-vidros

Pasmados de terror

Destas tardes

Inamovíveis.

Terra. Água. Sol.

Alabastros de vento

Versificando

Os rostos.

As caras feitas

De ouro. De pó.

As caras versáteis

Voazes e duras

Negras retratadas.

Teus olhos negros

Nas águas claras.

Pétreos.

Terra. Água. Sol

E o que mais de mim

Sobre teu seio morno.

LII

Grudar a simetria do espírito

A via do excesso, o cálice

Do sangue. Sorver timidez

Embriaguez de metal

O cinza líquido da alma

E morrer do secreto gozo

Que é te experimentar

Às luzes do teu corpo.

LIII

Corpo queimado de Sol. Luz vítrea

No ápice da cabeça, fareja o sangue

A despedida santa da alma. E fontes

Fainas, fonemas mudos e ocos

Flanam inóspitos de despojos

Ante a túrgida matéria

Incompreendida.

Calcinada vida, tua sombra respira

A desmedida impermanência.

O voo para as formas espectrais

Arroios e transparências

Linearidades

Vacuidades

De tua chegança.

A imensa pedra de sal próxima ao poço.

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 28/07/2014
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