Poema II
Reclama a Estrada, repleta de ocultações.
A Lama que a arrasta junto ao seco, às bordas,
volve o tempo que se esquiva lentamente pelo ar, e os homens
ébrios a vagar pelo incerto ou nesta estrada de vácuo
não produzem calor e por isto a noite é certa.
A noite é certa. Os astros, as montanhas, as pedras,
as dríades a correr pelos bosques infinitos, os cantos,
as dores, as mortes, as pegadas
e uma alegoria de matéria escura a sugar tudo
para as cicatrizes póstumas.
Esta rútila ossada, chuta-a!
As cartilagens da noite sustentando
os significados sinistros.
Mesmo a indiferença é fruto de pensamentos auríferos,
a farsa totalitária e não completamente compreendida
de quem finge é tão somente doce e efêmera, qual a aurora.
A aurora não ergue nenhum susto: Houveram de ser outros
seres a sentir medo quando o sol aparecera, ígneo e vetusto.
A arcada dentária enlouquece ao subir da estrela!
***
O canto íntimo e oposto, nasce:
I
Mesmo aurora cravada no alto pó
de estrelas vibrantes a ver o imenso,
O espírito, vago, a resistir ao ópio,
sua flúida forma petrifica o peito denso
II
Ó, nascimento das luzes! Não basta
o fascínio fresco da escuridão
a romper minhas dermes nefastas
E n'aurora recolho-me ao canto
e vejo-te a chorar nos caminhos,
e teu pranto habita no meu pranto
***
Oh, caminhos! Os fonemas te habitam a esmo!
Te esperam na rachadura erosiva das eras,
a cada artíficie que os engloba e os regurgita em versos!
Nada me vêm a cabeça além da estrada e os homens.
Vejo manuscritos espaçados de meu avô...
Queria eu o ter conhecido: Suas órbitas
despertando atenção aos descuidados,
seu conhecimento a por conhecimento nos outros,
e muito disto tinha, de ser culto e de ocupar-se com livros.
Sei disto por desabafo de meus tios e mãe, quando a saudade
molha seus olhos e enchem suas bocas, fico eu a escutar, curioso.
É, meu avô... sinto saudades suas sem mesmo ter lhe conhecido.
Teus átomos vagam pelos ciclos naturais da terra e, não por acaso,
tenha me tangido a face com um gesto antigo.
Talvez esteja me argumentando agora pela minha falta de cuidado
com os caminhos vitais e tão somente soturnos.
Talvez esteja agora indubitavelmente iluminando a curva geoide
que a terra nutre no espaço-tempo, meu avô.
Talvez esteja apenas dormindo, quieto, a suspirar
no pasto etéreo, enquanto sua forma
permanece significativamente sólida em nossas mentes.
Estará neste caminho, provavelmente.
A nudez indefinida das rochas distantes a desmembrar
os céus cinzentos, este caminho é lento.
Meus símbolos ao longe, num filtro, além estrada
e no mesmo plano concêntrico. Não foram, meus símbolos,
caminhar por esta vereda carregada de passos e ecos.
Ah, razão! Esta estrada não responde ao teu
dom empírico, não é feita de aglomerações minerais
nem de cotidianos múltiplos. Acima, além, mais que
acima do além, os acrobatas nos convidam e nada.
E então, penso. Um negro intelectual de granja
caminha com seus passos firmes na idéia de um
texto a ser escrito. Nas suas conexões neurais
sedentas pelo óbito da dúvida, na aproximação
maravilhosa da concretude certa das palavras
e um imenso nexo de folhas escritas... surge:
III
Penso na estrada senil e aturdida,
Nas roxas olheiras da carnadura
íntima de teus olhos e esta dura
e dantesca síntese de uma vida
Em todo o passo de uma fé falida
mostra-nos a expressão vasta da cura:
A mente tua às margens da loucura
a luta vasta não deu por vencida
E mesmo a dor já se tornando física
volveu comboios desta tua tísica
posição repleta d'outros resquícios
E mesmo a morte te ceifando o pulso,
Anos depois num unânime impulso
Todos te clamam pelo teu ofício
***
E essa continuidade rara de um caminho sistêmico
e sempre igual, repleto de doiradas alucinações,
e entidades cerebrais num antro de mutualismo.
Lá te encontraria, meu avô... sintetizado por um som,
seria agora plasma e eu o sentiria mergulhar em meus sentidos.
E se de tempos em tempos o encontro em poesia,
o encontraria em sinestesia.
Grande Wilson Vieira, tua memória e o teu legado
rompem a história pelos anos.