Por que continuas Gilliard?
Onde você está agora Gilliard?
Os amigos nunca existiram,
Seus pais permanecem presos no passado e na cozinha;
Suas doenças não dormem nem nos feriados,
Sua tristeza é uma placa cuneiforme intraduzível,
Seus sonhos estão ébrios de filosofias na sarjeta da civilização,
E a velhice jamais irá parar o ônibus na frente de tua casa.
Onde você vive mesmo Gilliard?
Numa nação expatriada que come as migalhas dos teus deuses democráticos?
Essas feras canibais que são chamadas para o reino da Redenção?
Veja Gilliard! Esses becos se prostituem nos véus sifilíticos da Escuridão,
E os instantes de orgasmos são semeados por mentiras e falsas promessas.
Acorda Gilliard! O Amor se tornou no precipício dos insanos,
As pessoas querem etiquetas de marcas famosas, não ideias;
Mas você ainda abraça o amor com tanto realismo e nitidez,
Mas você ainda chora as feridas dos mendigos e enfermos,
Você ainda quer abrigar no núcleo celular de tua alma as dores dos excluídos, dos viciados; os lamentos dos burgueses, as presunções dos fanáticos da razão e dos misticismos.
Por que Gilliard? Por que você luta por esses animais desalmados?
Por esses seres inanimados, sem consciência, cegos, e neurastênicos?
Por esses indivíduos antropomorfizados que só veneram seus próprios reflexos? Por que Gilliard?
O que você é Gilliard?
Por que você não se interna, de uma vez por todas, dentro de teu manicômio transcendental?
Por que você não poda até, a última semente, essa tua irmandade com o universo?
Por que você não se vende como todas as pessoas felizes, desgraçadas e úteis desse mundo?
Por que você não afoga os filhos do teu pensar e do teu amar na alienação materialista e espiritualizada de nossa civilização?
Por que você continua sendo você mesmo, se todos vestem modas, compram rostos, forjam identidades, e vendem quem são e suas próprias personalidades nos mercados centrais?
Por que você não se rende Gilliard, como todos fazem?
Mas você não apaga a luz de seu coração noturno Gilliard,
E as crianças brincam felizes no parque de tua alma panteísta e conflituosa;
A chuva e os trovões de dúvidas e conflitos nunca cessam de relampejar em teu silêncio, nessa cidade, nessa casa vazia a orbitar num mundo esvaziado por multidões vazias;
Mas você ainda luta Gilliard; você resiste, você acorda, você escreve, pensa, ensina, pranteia, se queima com os frios alheios, e ainda assim,
Por que você derrama suas lágrimas por essas feras imundas?
Você às vezes pensa em desistir Gilliard,
Mas sua alma teimosa encontra amigos em sua densa e solitária solidão;
Você Gilliard encontra forças nos abismos de tuas próprias imperfeições;
Você encontra pérolas diante de tantas anomalias, genocídios, e podridão.
Como você consegue Gilliard? E por quê? Achas que o mundo se importa? Tu pensas que teu jeito de ser e agir vão mudar algo nessa fossa inóspita a que todos chamam de “vida”?
Contudo você encontra até a si mesmo, quando tu desejas te perder
No caos que habita em tudo e em todos.
Por que você persiste em ser sólido, rude, meigo, compreensível, honesto contigo mesmo, conciliando suas contradições incuráveis?
Por que continuas a ser pensativo Gilliard, se todos transformaram o conhecimento em um cemitério de idiotas virtualizados, pragmáticos e lucrativos?
Eu juro Gilliard... Eu juro que tentei te entender;
Entender que tipos de solos e fragmentos celestes foi concebido o teu coração meu amigo, porém eu não consigo Gilliard,
Eu não consigo te compreender e não te admirar e sentir pena de ti ao mesmo tempo!
O que eu faço contigo Gilliard?
Diz-me: o que diabos eu faço contigo_ meu amigo e andarilho humano.
GILLIARD ALVES
8h06min