dolor ex machina
chacina ou
uma verdadeira orgia ácida:
o asfalto explorando a carne e
meu corpo gritando: machina!
me quebraram em duas partes
me quebraram bem antes, na verdade;
fui me deixando aos poucos pelo caminho,
costurei os cortes que hoje abomino.
tudo muito cedo, tudo muito de repente,
a vida foi me puxando pelo cabelo e
me jogando em tudo quanto é corrente.
assim fui me quebrando em espaços,
hoje eu já tô me acostumando com tanto regaço.
a diferença é que antes era tudo muito subjetivo,
meus fragmentos estão espalhados, são todos aperitivos
do tempo que passa por todos os lugares.
concluo que o tempo me mastiga moderadamente,
mas esse ano ele veio pra me arrancar uns pedaços;
por um momento achei que vi a morte de frente,
mas no fim era tudo prelúdio do impacto.
de qualquer forma, voei. foi um vôo de quem se estatela,
vôo de experimento. a sensação é forte, medo que congela,
e rendeu muita cautela depois de tanto sofrimento.
no começo não foi tão difícil quanto deveria,
eu já estava acostumada com dor e travessias,
hoje é que eu me enregelo toda em um cruzamento,
faz parte das tais ironias do tempo…
me abriram duas vezes em três partes diferentes,
não vi nem senti nada, fui e voltei largada;
não há nada melhor para a abrir a mente
do que dor, solidão, monotonia e limitação.
dá pra sentir na superfície a intervenção
placa, parafuso, carne viva em putrefação
deu medo, mas o tempo se desculpou, disse que exagerou
- pelo menos aquela ferida cicatrizou.
às vezes acordo e tateio a carne machucada,
fico uns bons minutos refletindo sobre os pesos;
acostumei com a dor e com o silêncio de fadada
aos medos e desmedos perante os espelhos.
chacina ou
uma verdadeira orgia ácida:
o tempo explorando a carne,
a terra levando uma parte e
meu corpo gritando: machina!