O PROFETA
O silêncio escuro da vertiginosa montanha,
Depois de tanto sangrar nas estradas sinuosas e retas,
Encontrei enfim na luz outonal em minhas entranhas
O cajado divino aos pés do esquecido e santo Profeta.
Caí de joelhos perante essa alma de tantos martírios calejada;
Ele me olhou, e o universo fragmentou-se em migalhas inúteis.
Observei ao redor: árvores, lagos, pedras, sol, não havia nada;
E ele tocou o meu rosto e sussurrou: tudo e todos são fúteis.
O luto, a dor e o jejum tornaram-se assim em meu alimento
Em que as águias me trazem com júbilo no cume desta montanha.
Os filhos são vestidos com o manto do amor e do alheamento,
O Profeta então bradou: a vida é uma meretriz pérfida e estranha.
Visões e profecias inundam o manancial seco de minha alma;
Cães urinando em muros e em carros; como tudo isso existe?!
Nada entendo, e a incompreensão vomita toda a minha calma,
E as mãos do profeta cantam: a verdade é um fóssil irreal e triste.
Garotas trepando em bordéis, bares e lares ébrios de tédios;
Soníferos e antidepressivos sorrindo um riso vazio e doente,
Pois acordar e viver são insanidades ingeridas como remédios;
Mas o Profeta indaga: por que choras por tais seres indecentes?
Crianças com suásticas virtualizadas, deitadas no crime e no sexo;
Crenças e doutrinas são psicopatas que matam e depois se enforcam?
Engarrafamentos infindáveis de sonhos e lutas para o vão se deslocam,
e na rocha de Jessé está escrito: nada é lógico, e tudo vive sem nexo.
Ateus e Religiosos entorpecidos nas morfinas da fé e da razão,
Nas dionisíacas e feriados de gozar os frutos das conquistas e enganos.
Os olhos abertos de Perseu decapitaram as górgonas da sedutora ilusão
Neste mundo petrificado; lacrimeja o Profeta: o existir é o esquife insano.
Cavalos e tanques hasteando os risos de nossa liberdade pelas ruas,
Ônibus lotados retornando de outro dia com essas almas prosaicas.
Hospitais febris, as avenidas encobrem nossas aberrações nuas;
E o Profeta disse: tuas ações nobres e polidas são sepulturas farisaicas.
Signos do Zodíaco, sons e mais sons de teclas e de pessoas falando...
Coração: idiotas cheios de certezas, sábios acorrentados por dúvidas.
Este dilúvio de deveres, de traições e de mentiras sempre nos beijando,
Guerras e desgraças são o altar primordial do Dinheiro e falsas súplicas.
O Profeta abre os olhos; firme com o cajado, ele admira o mundo em pé.
Eu sinto a lágrima de tristeza e de opróbrios pela montanha ocultada.
O fulgor dos olhos das vítimas apagado pelas chamas da Ciência e da Fé?
E gritou-se: a Existência é a latrina dos solecismos e das tênias abortadas.