Sobre pétalas
A cada passo, uma pétala,
um distanciamento da matéria.
Até o rascunho de calmaria me foi negado.
Em mim, toda pétala é pétrea; a queda é o legado.
Se desprendiam aos poucos, mas
conheci redemoinhos com o tempo;
agora, sempre fico ao relento.
Quando o outono me coroa,
a nudez me povoa,
a voz em mim se permite apetite.
Aprendi a me recompor em fluidez,
a me acostumar com a alma desnuda,
a não temer o futuro e a loucura;
mas sei que meu rastro é de embriaguez.
Meu passo não é leve, mas tem ritmo de prece.
Coxa desse jeito, o impacto leva muito mais;
as pétalas caem duras e veementes, aos montes.
Invejam as que ficaram pra trás, no horizonte.
Olho ao redor dos anos e suspiro: estou longe,
sinto que me abandono no caminho.
Meu tempo carrega uma quimera
que segue aos trancos, fremente por dentro,
com um semblante de mulher austera.
O espelho é muito franco;
as pétalas caem e eu já sou outra.
Me recomponho, me dou ao sonho,
mas a terra me grita até ficar rouca.