SODOMA E GOMORRA

A corda se enforcou na escuridão de seu quarto,

Um bilhete escrito “tudo é cretinice” em cima do criado-mudo,

E a escuridão do quarto tateando uma possível fuga da alma;

Pernas de mesas quebradas e livros esquecidos pelo chão da casa,

Mas o chão é uma névoa pavimentada de sangue e de bandeiras.

As nuvens lá no céu flutuam uma inocência tão murcha e cega;

Uma inocência a vomitar no prato de jantar vísceras de nostalgias;

Uma inocência pagã que acelera os pés inocentes dos assassinos;

Uma inocência pecuniária de crianças consumindo seus próprios pais e a si mesma;

Uma inocência sempre grávida de sensações de remorsos,

Contudo o remorso é a lágrima apagada em que os olhos áridos

Buscam aquele motivo e aquela faísca para prantear os erros ou acertos quaisquer.

Os latidos da Vida já não urinam proteínas nenhumas nos muros alheios das casas,

Essas mesmas casas são apriscos de tiros e de geladeiras vazias e famintas;

Essas mesmas casas são televisões rimadas cujo controle remoto se esconde sempre debaixo do sofá desse Cosmo esquizofrênico.

Logo, troquem as pilhas dos teus sentimentos sobre o que afirmas ser “amor”:

O amor é uma pedra angular de induções e de tropeços?

O amor é um vírus imunogênico a compor canções à beira de um rio poluído?

O amor é o slogan inebriante de querer viver a todo custo?

O amor é a hipnose onde nossa consciência quer permanecer imergida?

[Os ratos acordam e tomam café;

Os ratos saem de seus próprios buracos e vão trabalhar;

Os ratos se confessam, se devoram, comem livros, e voltam a dormir

Em seus próprios buracos.

Os ratos seguem semeando os lixos de seus progressos pelo mundo.]

Nossas sombras caminham por cima da película de um oceano de gelo;

As janelas gradeadas da sala não enxergam mais nenhuma paisagem lá fora;

Enquanto os abutres circulam ao redor do cheiro adocicado das crianças

Que voltam tão sorridentes da escola,

E as pedras clamam a Deus pelo fim do mundo,

Mas Sodoma e Gomorra acariciam cada ação reprimida ou de-liberada,

Cada ação nobre ou repugnante que são moscas a zumbir

Nas frestas de nossos escrúpulos,

E essa bússola interna que gravaram em nossas almas

Apenas nos direcionam para as ilhas bem-aventuradas da inverdade.

Quando nosso olhar anda freneticamente em ruas atropeladas;

Quando nosso coração ergue o nosso rosto perante nossas retinas,

E sacudimos todo o conteúdo de nosso corpo,

Mas não estamos mais dentro de nós mesmos...

Quando tocamos na epiderme de uma folha de um pinheiro qualquer,

Piscamos os olhos porque nada faz sentido nesse mundo;

Quando nossos corpos necessitam se distanciar demasiadamente do que amamos, a fim de preservamos aquele encanto lindo e desconhecido,

A fim de não esbarrarmos nos parasitas e mentiras que há dentro de tudo e todos;

E ainda não acreditamos que ainda conseguimos acreditar em alguma coisa,

Como se a nossa fé fosse uma enorme âncora nos puxando para as profundezas de nossos próprios abismos que até tememos não mostrar a nós mesmos,

porém queremos sentir a voz de Deus a caminhar candidamente

Nas tempestades de nosso próprio ser incógnito e tão miserável.

A folha de teus dias lentamente sendo devorada pelo fogo em cada semáforo,

Em cada elevador,

Em cada beijo em que os pais dão na fronte inexata de seus filhos,

Em cada trem a levar as bagagens de nosso destino para a estação da injeção letal.

Mas os pardais rasgam os véus dantescos do vento,

Com suas asas e corpos através da imensidão finita do nosso céu tão cacofônico,

Pois a Liberdade dança ebriamente ao redor das fogueiras

De seus próprios sacrifícios e de seus incomensuráveis grilhões.

_Senhor meu Deus: dai-me ao menos uma gota de paz, porque algo em mim ama guerras e conflitos.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 11/08/2013
Reeditado em 11/08/2013
Código do texto: T4429633
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