REFÉM
Passo serras, matos, motos
O céu está muito além
Um rio corre endoidecido
Um anjo da guarda vem
Abri a porta, entrei
E saiu somente quem
Joguei meu anel no mar
Pedi, mas não vi ninguém
Não faço mais espetáculos
Nem para ganhar vintém
Saltei do despenhadeiro
Um anjo disse: amém
Será que ali é o céu
Ou a torre de Belém?
Ah, meu Deus, se fosse lá
Mas estou muito aquém
Isso não é neve nem brisa
É o vento do Eden?
É fácil ser marinheiro
Fascinado com o vaivém
Na noite em que me deixaste
Eu corri a mais de cem
Se for para embarcar
Disse que já foi o trem
Naquele lugar sombrio
Rezam o teu requiem
Sou fausto, mas ontem mesmo
Sucumbi ao teu desdém
Eu penso que há veneno
Será que o teu lábio tem?
Alisei os teus pentelhos
Gozei no teu vaivém
Não deu pra satisfazer
Te espero em meu harém
Tenho medo de te amar
Que não me ames também
Diz-me: tu me amas?
Ora, ora, nhenhenhém
Queres que eu morra logo?
Quem ama não mata, heim!
Jurei por Deus muitas vezes
Pelo teu mal, pelo bem
Por onde fores eu vou
Ser teu guia, teu pajem
Se disser: dou-te um tiro, aguarda
Do sino o blem-blem-blém
Passou a noite, é dia
Cochilas como nenen
Mourejo, confissão e sangue
Transmuta para o zen
Arrancar do homem a pau
E do touro a sedém
Para bandido ou monge
É tudo como alguém
Estar em terra ou no mar
Morto ou vivo, um refém.