Des.crença
Des.crença
E todo aquele sistema de crenças,
Todo aquele gigante colossal,
Transcendental, onisciente, onipotente e onipresente,
Se fragmentou em pedacinhos, minúsculos,
Trechos de livros empoeirados
E pedaços de crenças infundadas e insignificadas
E toda aquela massa gigantesca,
Caiu sobre mim,
Me arrastando até o profundo vazio
Até o silêncio da alma
Eu rezei,
Em vão,
Eu clamei,
Em vão,
Eu me desesperei,
Em vão,
Tentando voltar a um sistema ruído,
Eu caí,
Fundo,
Mergulhei no abismo,
No silêncio da indiferença do universo,
Na ausência de sentido,
No Nihill
De repente estava sozinho,
Tentei apegar-me à espiritualidade parca de momentos efêmeros do dia-a-dia
Sentar-me à beira da praia,
Sentir a brisa suave e ouvir som de pássaros,
Mas nunca som de gente
Às vezes caminhava pelas ruas
E uma confusão generalizada e apressada se formava à minha volta
E eu a silenciava, olhava através dela,
Via as amarras do sistema movendo esses pobres coitados,
Via os discursos sendo produzidos e multiplicados
Neste momento eu ouvi
Som de gente
E foi quando eu senti,
A fome dos famintos,
O silêncio dos inocentes,
O sofrimento dos ímpios,
A impunidade dos criminosos,
A triste indiferença do universo
Continuei a caminhar,
Como se nada daquilo importasse,
Mas em minh’alma ateia
Já estava plantada a semente
Indignado, compactuei do sofrimento deles,
Mas nada pude fazer,
Era necessário cumprir as tarefas do dia-a-dia
Neste momento, dividi-me em dois,
Um ser corpóreo, maquinário, autômato,
Para realizar as diárias tarefas mundanas,
E o pensar, no qual eu era verdadeiramente livre,
A analisar o mundo à minha volta
Mas não foi suficiente,
Logo o ser pensante,
Esta res cógnita,
Proclamou autonomia,
Exigiu o que era seu por direito:
O controle sobre o corpo autômato,
E por compactuar do sofrimento alheio
Exigiu a este corpo autômato,
Mesquinho, egoísta e egocêntrico,
Que algo fosse feito
E coisa pensante e coisa autômata se entreolharam no espelho da alma
E foram envolvidos pelos cacos do antigo ser onipresente, potente e sciente
Que agora se mostrava impotente, insciente
E impresente
E toda culpa, toda revolta, antes lançada frente ao ser agora impresente
E antes amenizada por ele,
Refletiu de volta,
E recaiu sobre mim,
E o ego se inflamou por uma última vez,
Proclamando seu lugar,
Só para depois explodir em mil pedaços,
Indo habitar o abismo das coisas esquecidas e infundadas
Onde já estava o ser onimuitascoisas
E o amor brotou,
E o espírito nasceu, como uma flor em meio às cinzas,
Espírito este, energia estranha que permeia nossa vida,
Que nos faz sentir tristeza e felicidade,
Que nos faz desejar mundo mais justo,
E que nos dá energia para lutar por isto,
Espírito de esperança,
Espírito simbólico,
Puro sentimento
Some-se a isto a efemeridade da morte,
Da gigante tão temida, a morte,
Que mais provável nada mais ser que um eterno nada,
Exatamente igual ao que estávamos antes do nascer,
Do qual não se lembra pois para lembrar-se nada há,
Some-se a isto nossa insignificância frente ao universo,
Minúsculo ser entre 7 bilhões de semelhantes
Semelhantes em pequenez por formarem espécie,
Espécie esta que é uma em muitos outros milhões
De um tempo efêmero de uns poucos milhares de anos,
Nada mais que microssegundos, nos ponteiros gigantes do universo,
De um pequeno planeta-grão-de-areia, envolta de uma estrelinha mixuruca a uma eternidade de distância,
Em uma poeira que sobrou de uma galáxia empoeirada de 200 bilhões,
Que é uma entre outra infinidade,
E nem sabemos aonde isto vai parar.
Um ser cuja existência sem sentido será apagada em umas poucas décadas,
Cuja vida é curta demais para não sonhar um mundo novo,
E fazê-lo acontecer no dia-a-dia
Tal qual a fênix, este ser pobre, porco e putrefato, minúsculo e insignificante surge das cinzas do ser onitudo
Mas, tamanha sua pequenez, que em sonho pensa abraçar todo o universo,
Se vê capaz de, como criança novamente,
Querer mudar a mente, de toda gente,
De cada ser insignificante, deste planeta insignificante,
Para que todas as insignificâncias juntas possam significar algo
E algo, por pueril que seja,
Já é muito na vida daquele que não é nada mais que um micróbio
Que junto a bilhões de micróbios, habita uma poeira, e tem menos de um segundo de vida