Alma
fazia na sauna exercício
de alongamento com os pés
no pé direito faltando
o dedo grande, o dedão
aquele chamado de hallus
que fora desarticulado
por causa de um melanoma
podia entrar de repente
um homem ou uma mulher
que soubesse do fato
ou do porquê do exercício
e que então pudesse fazer
alguma observação
como quem sabe das coisas
dizendo isso ou aquilo
ou mesmo não dizendo nada
pra não mostrar que sabia
não vou falar que sou médico
pra não parecer mais um chato
ou falo que sou oncologista
só pra puxar um assunto?
mas médicos não puxam assunto
querem é ser consultados
pensam que entendem de tudo
e que de um tudo eles curam
quem sabe até mesmo da alma
eis que entra na sauna
a plenitude do branco
a Alma, um doce encanto
branca como a cor da neve
as coxas de gelo ou leitosas
esquisitamente perfeitas
como o adjetivo em inglês
que nada tem de esquisito
e fica o dito por não dito
pois entre as pernas a cor
que lembro é a do contra-filé
e que se dane o meu pé
pois tô é falando da buça
que às vezes faz com que eu tussa
e o que falar do sabor
que devia ali existir?
doido pra conferir
com a alma a fim de endoidecer
parti então pra esquecer
do médico ou do doutor
do melanoma ou do odor
de essência que a sauna inundava
eu que só me inebriava
com a minha alma e com a dela...
Maricá, 20/02/2007